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Solidariedade: impacto de mão dupla

Solidariedade: impacto de mão dupla

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Doadora de medula, Lethicia Conegero ajudou a salvar uma vida: “não existe nada similar ao sentimento de fazer o bem”

“Foi um verdadeiro presente”. É desta forma que a jornalista Lethicia Cristina Conegero define a notícia de que era 100% compatível com um paciente que estava na fila por um transplante de medula óssea. O chamado para salvar uma vida aconteceu dez anos após o cadastro no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). “Estava em um shopping quando a equipe me ligou e informou que havia a possibilidade de que eu fosse compatível. Perguntaram se eu gostaria de seguir com o processo para confirmar a compatibilidade. Não consegui segurar a emoção e comecei a chorar”, conta. 

A certeza do sim se deve muito ao motivo que levou a jornalista a se tornar doadora, em julho de 2012, quando morava em Umuarama. À época, a amiga de infância, Isabella Velasquez Matumoto, tratava leucemia. “Por acompanhar a luta e pela esperança de ser compatível com ela me tornei doadora. Inclusive, a Isa e a família dela se tornaram símbolo da luta contra a leucemia e do incentivo à doação de medula. A força e a resiliência dela impactaram muita gente”, afirma. 

Isabella perdeu a luta para o câncer, mas deixou um legado.  Lethicia não só se tornou doadora como incentiva outros a se tornar. Aliás, quando se cadastrou, teve a companhia dos pais. “Fomos juntos ao Hemocentro. Foi simples e rápido. Só precisei preencher um cadastro e coletar uma amostra de sangue. A partir daí eu estava no banco internacional de doadores e se houvesse compatibilidade com algum paciente, receberia o contato”. 

O aguardado contato ocorreu em junho de 2022. Na mesma semana em que recebeu a ligação, Lethicia foi ao Hemocentro de Maringá e coletou sangue para os exames, que confirmaram a compatibilidade. O procedimento ocorreu em outro estado, não divulgado por questão de sigilo, em um hospital de referência. Lethicia fez duas viagens, primeiro para fazer os exames de saúde e depois para a coleta da medula, em julho de 2023.  

A logística e todas as despesas foram organizadas e custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tanto para Lethicia como para o pai, que a acompanhou. Somadas as duas viagens, ida e volta, foram cerca de quatro mil quilômetros e oito voos em menos de um mês. “Foram muitas pessoas incríveis envolvidas no processo: a equipe do Redome, os profissionais de saúde do hospital, minha família e amigos. Muita gente me apoiou, se emocionou e torceu”, celebra. 

Agora, a jornalista vive a expectativa de conhecer o “irmão de medula”, como chama o receptor ainda desconhecido. A revelação da identidade só poderá acontecer no início de 2025 se ambas as partes quiserem. “Não sei se é criança ou adulto, se é homem ou mulher nem onde mora. Só sei que a minha medula é 100% compatível e agora temos o mesmo tipo sanguíneo. Quero muito conhecê-lo, dar um abraço forte nele e nos seus familiares e dizer que me orgulho da sua luta”, projeta.  

Lethicia diz que a experiência deu mais sentido à vida. “Existe algo de mágico em doar um pedaço de si. Aliás, ajudar o próximo, seja como for, é mágico. Não existe nada similar ao sentimento de fazer o bem”, finaliza.

 

Vida nova 



Gabriel Chiochetta recebeu a doação de dois pulmões: “cada dia que acordo, não tem como não lembrar que uma família salvou minha vida. Como foi bom respirar de verdade”

Se para quem doa, a vida toma novo significado, para quem recebe, a vida se torna viável. “Percebi, naquele momento, que nunca tinha respirado direito”. Esta foi a sensação de Gabriel Chiochetta, após passar por um transplante de pulmões, em junho de 2017. Ele nasceu com fibrose cística, genética, que compromete o funcionamento dos pulmões, é progressiva e pode impor o transplante como única esperança, pois não tem cura. 

Chiochetta lutou bravamente para diminuir o impacto das limitações causadas pela doença. Viveu uma rotina intensa de fisioterapias pulmonares, medicamentos, exercícios físicos e incerteza, o que não o impediu de se tornar advogado, empresário, de se casar e ser pai. 

Mas após internações de repetição por pneumonia, por meio da Secretaria de Saúde de Maringá foi encaminhado para triagem na Santa Casa de Porto Alegre/RS. Aos 32 anos, em 2016, ingressou na lista e aguardou os órgãos por um ano e três dias, tendo passado a viver na cidade, com suporte de oxigênio e visitas regulares ao hospital. 

O que colocou fim à interminável espera foi a solidariedade de uma família que acabara de perder um ente. “Precisava de dois pulmões, e eles chegaram. Foram 12 horas de cirurgia. Cada dia que acordo, não tem como não lembrar que uma família salvou minha vida. Como foi bom respirar de verdade”, diz.

Após seis meses de reabilitação, Chiochetta voltou a morar em Maringá. Viaja para Porto Alegre a cada seis meses para acompanhamento. “Não tem comparação. Tomo imunossupressor de manhã e à tarde. Bebo bastante água, faço exames, além de atividade física, como qualquer um precisa para ser saudável. Estou bem. Depois do transplante, vida plena.”

Ele ajuda na conscientização sobre a doação de órgãos desde o pré-transplante. “Quando as pessoas declaram que desejam doar órgãos caso tenham morte cerebral, as famílias respeitam a vontade. É uma forma de seguir dando vida a outras pessoas.”

Além de estimular a doação, em 2022, ele ajudou a construir no Hospital Universitário de Maringá (HUM) um centro de acolhimento para famílias de possíveis doadores e médicos que trabalham na captação de órgãos. Todo o mobiliário foi doado pela empresa do advogado. “Hoje aos 39 anos, a retribuição não é nada diante dos pulmões, do irrestrito apoio da minha esposa e dos meus pais. O sistema de transplantes é excelente, profissionais excelentes cruzaram meu caminho, assim como pessoas generosas.”

 

Orientação e pesquisa

A médica Sineida Berbert Ferreira ajuda na conscientização, detecção e tratamento de doenças de pele para pessoas de baixa renda

O engajamento para o voluntariado acompanha a dermatologista Sineida Berbert Ferreira desde a infância. “Tive forte formação cristã. O trabalho voluntário sempre esteve presente na minha família”, conta.

A vontade de ajudar o próximo e fazer o bem se fortaleceu nos anos em que frequentou colégios católicos de Nova Friburgo/RJ. Lá, participou de ações solidárias nas comunidades carentes. Quando cursou Medicina, em Niterói, sempre arranjou tempo entre as aulas e os estudos para levar informações de saúde à população. Já formada, Sineida se mudou para Maringá e aqui seguiu com as ações de voluntariado. Em 2009, iniciou um trabalho no Encontro Fraterno Lins de Vasconcellos, dedicado à assistência de famílias carentes e à capacitação de jovens. 

Inicialmente, contribuiu com consultas médicas e, depois, com a organização de eventos, que mobilizavam profissionais de dermatologia, enfermagem e odontologia, além de maquiadores. “Era um dia inteiro dedicado aos cuidados sobre saúde bucal, com a pele, cabelos e até automaquiagem, bem como informações sobre doenças sexualmente transmitidas. Eram atendidos até 250 jovens num dia”, diz.  

A dermatologista também foi uma das idealizadoras do Caminhão da Psoríase que, entre 2015 e 2016, percorreu cidades levando informação sobre a doença em parceria com a Sociedade Brasileira de Dermatologia e apoio do laboratório L’oreal. Um caminhão foi adaptado e serviu como sala de palestras, auditório e espaço de triagem para casos de psoríase, posteriormente encaminhados para atendimento ambulatorial. 

Entre 2009 e 2020, muitas manhãs de sábados da dermatologista foram no ambulatório montado na instituição, atendendo pacientes de baixa renda com doenças dermatológicas. Ela também teve inúmeras participações em palestras e campanhas sobre doenças de pele, algumas com distribuição de filtros solares.

A dermatologista ainda encontrou tempo para ajudar a criar a Associação Paranaense de Pessoas com Psoríase (Psoripar) e coordenar o Grupo de Apoio Permanente da Sociedade Brasileira de Dermatologia em dermatite atópica e psoríase. “Recentemente, tivemos a iniciativa de propor a lei estadual de dermatite atópica no Paraná, que facilitará o diagnóstico precoce e tratamento”, conta. “O voluntariado é um trabalho de formiguinha. Cada um pode fazer um pouco e ao final conseguimos impactar um número significativo de pessoas”, conclui.


Expertise ao dispor da comunidade



Edna Almodin contribui para o diagnóstico e tratamento precoce do ceratocone, com cirurgias sem custo para pacientes que estão na fila no sistema público 

A oftalmologista Edna Almodin, com vivência internacional e liderança da área, dedica a expertise não apenas ao atendimento privado, mas a iniciativas sociais. Desde a chegada a Maringá, em 1995, vem desenvolvendo ações que promovem o acesso à saúde ocular.

Entre suas iniciativas está a organização do Congresso Internacional de Atualização em Oftalmologia, realizado por 16 anos em Maringá, que reunia médicos de diversos países, oferecendo atualização profissional e aprimoramento técnico para oftalmologistas locais e regionais. Os lucros eram revertidos a entidades médicas e contribuíam para o avanço da oftalmologia no Brasil. Edna ainda promovia cirurgias ao vivo durante os eventos, dando a pacientes sem condições financeiras a oportunidade de recuperar a visão gratuitamente. 

Com o avanço da internet, os congressos presenciais passaram a ser diferentes. A médica, então, passou a organizar campanhas anuais focadas em glaucoma, ceratocone, acuidade visual e erros refracionais em crianças, realizadas em parceria com entidades médicas, associações, órgãos públicos, colegas e empresas do setor, o que possibilitou a doação de óculos. 

Com tempo, o ceratocone, doença oftalmológica progressiva que afeta principalmente os jovens, tornou-se uma das principais preocupações de Edna. Por meio de campanhas, ela busca diagnosticar e tratar precocemente o problema, oferecendo procedimentos como o implante de Anel de Ferrara – o médico criador da solução, Paulo Ferrara, veio a Maringá apoiar as ações. O anel tem se mostrado eficaz no controle da doença e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. 

A campanha do ceratocone atingiu 419 pacientes em 2023. “Operamos 43 pacientes gratuitos com recursos do nosso hospital e doação do Anel de Ferrara. Em 2023, a fila diminuiu para 216 atendimentos, e operamos 29 pacientes. Este ano temos intenção de fazer em parceria com a prefeitura, para que possamos selecionar pacientes enviados da região que estão na fila. “É gratificante ver que deixo um legado para muitas pessoas viverem melhor, tanto na medicina privada quanto na social. Cumpro meu dever como médica estudando e tentando trazer a melhor medicina para nossa cidade e região, sem distinção de atendimento.”