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O desafio de reestruturar a própria vida

O desafio de reestruturar a própria vida

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A única pessoa capaz de transformar a minha realidade era eu mesmo. Ninguém conhecia meu corpo mais do que eu, ninguém conhecia meus medos mais do que eu e ninguém conhecia as minhas fragilidades - financeira, emocional, psíquica, afetiva e, claro, física - mais do que eu

Movido por desafios, o executivo Pedro Janot fez carreira reestruturando grandes empresas. Começou na extinta Mesbla, passou pelas Lojas Americanas antes de liderar a reestruturação da Richards. Depois, foi eleito o primeiro CEO da rede espanhola Zara no Brasil. Teve, ainda, breve passagem pelo Grupo Pão de Açúcar antes de ser eleito, em 2008, o primeiro CEO da Azul Linhas Aéreas, a primeira companhia low cost em território brasileiro. 

Impulsionada pelo ‘método de gestão’ Pedro Janot, a Azul decolou e conquistou 13% do mercado nos primeiros cinco anos, mesmo com um duopólio forte no mercado. Com a empresa encaminhada, o executivo começava a se preparar para a próxima escala, mas nunca imaginou que seu desafio seguinte seria se tornar CEO da própria cura, como ele mesmo define. 

Em 2011, em seu sítio, Janot sofreu uma queda de cavalo. O tombo provocou grave lesão abaixo do pescoço, deixando-o tetraplégico. Hoje, ele recuperou parcialmente a agilidade dos braços, mas ainda trava uma luta diária para se adaptar à nova rotina. “Estou me reinventando. Mas não vou mentir dizendo que é fácil. Gostava muito da vida antiga. Não porque ela era perfeita, mas porque a nova é muito dura. Carregar esse corpo consome 70% da minha energia”, confessa. 

Isso, entretanto, não o paralisou profissionalmente. Logo após o acidente, ele deixou o cargo do CEO da Azul, mas segue como conselheiro da companhia. Também virou palestrante, mentor, consultor e escritor. E em todas essas funções, continua inspirando e servindo de exemplo para quem sonha com uma carreira de sucesso:  

O senhor passou por grandes empresas, como Mesbla, Richards, Zara e Azul. O que o motivou a essas mudanças profissionais?

Algumas pessoas podem pensar que foi a questão financeira, mas sem dúvidas foram os desafios dos projetos que definiram minha carreira. Em todas essas experiências tinha um objetivo: trabalhar como formador e estruturador daquele negócio. Só saía quando elas estavam prontas para seguir o destino e crescer mais. Passei seis anos na Mesbla, nove na Richards e oito na Zara. Na Azul foram cinco anos, interrompidos pelo acidente. Mas o trabalho estava encaminhado, em breve iria começar a arrumar as gavetas para o desafio seguinte.


Até chegar à Azul, em 2008, sua experiência era basicamente em empresas de varejo. De que forma esta experiência contribuiu para a criação da companhia de aviação?

Saí da minha zona de conforto em um setor que, até então, não tinha trabalhado. Sabia que não estavam me contratando por entender de aviação, e sim por entender de pessoas, para criar uma cultura organizacional de sucesso, incentivando os colaboradores e transformar a viagem feita pela Azul em uma experiência única para o passageiro. Brinco que ‘varejei no ar’. Levei a lógica da paixão pelo cliente, que sempre me guiou no varejo, para uma companhia aérea.


Sua relação com a Azul está retratada no livro “Maestro de Voo – Pedro Janot e Azul – Uma vida em desafios”. Por que esta relação é tão especial?

Tenho grande carinho por todas as empresas que fazem parte da minha trajetória, mas quando o assunto é a Azul, meu coração fala mais alto. Primeiro, por ter participado da fundação e do sucesso da empresa. Segundo, por ver como os valores que ajudei a implementar foram essenciais para que ela crescesse e decolasse tanto no sentido literal como figurado. São valores tão caros para a empresa que chegaram a ser gravados na lataria das aeronaves. Uma delas recebeu minhas iniciais na matrícula, numa homenagem depois do acidente. Quando visito a empresa tenho a mesma sensação do dia em que foi inaugurado o primeiro voo. É uma energia que ficou, de paixão e respeito pelas pessoas. De que trabalhar naquela empresa é a melhor experiência para a tripulação e de que embarcar naqueles aviões é a melhor experiência para o cliente. Essa energia é um legado que me enche de orgulho e, tenho certeza, não vai se perder.

O senhor fez das empresas pelas quais passou grandes modelos de negócio. Qual o segredo para uma gestão de sucesso?

Uma gestão de sucesso é feita com diversos ingredientes. Não vou contar todos os segredos! Até porque, recentemente, lancei um curso online em que abordo exatamente isso, o Método Pedro Janot. Mas dando um spoiler, um dos segredos é incentivar as pessoas para que elas saibam que podem mais do que acham. Fazê-las crescer e se desenvolver. Essa é uma das chaves que destrava uma palavra muito em voga hoje: inovação. 


Como o acidente de cavalo modificou a sua vida e a sua rotina?

A minha rotina e a minha vida ficaram, por um tempo, em stand by. Conviver com esse corpo que já não era mais o meu, me adaptar a novas dimensões de espaço, tempo e distância, tudo ficou muito diferente. Foi um momento complexo. Mas fico feliz de ter encontrado formas de obter crescimento. Tive que me lançar como empresário no mercado financeiro, passei a realizar consultorias, mentorias, palestras, escrevi livros e recentemente lancei meu curso. 


Depois que sofreu o acidente, em várias entrevistas o senhor se intitulou CEO da sua cura. O que isso significa?

Logo depois que comecei a ter noção do meu desafio, entendi que a única pessoa capaz de transformar a minha realidade era eu mesmo. Ninguém conhecia meu corpo mais do que eu, ninguém conhecia meus medos mais do que eu e ninguém conhecia as minhas fragilidades - financeira, emocional, psíquica, afetiva e, claro, física - mais do que eu. Portanto, só uma pessoa poderia resolver: eu. Mas quem abriu meus olhos para isso foi o meu cirurgião Mário Penna (hoje aposentado). Ele também é meu vizinho no sítio e, uma semana depois do acidente, foi à minha casa. Me encontrou deitado na cama, no quarto, e falou: ‘garotão, você entrou em uma gelada. Esse é o acidente, estudado na Medicina, mais grave de recuperação psicológica. É como se você batesse em uma parede do dia para noite. Você, de dia é um, de noite é o outro. Procure um psicoterapeuta especializado em trauma, mas principalmente compreenda que quem melhor vai te entender é você mesmo’. E foi assim que me tornei CEO da minha cura.


Qual foi o período mais difícil pós-acidente?

Foi a passagem da primeira noite para a segunda, onde as minhas mãos acordaram na mesma posição em que tinham sido colocadas à noite. Foi um horror. Cheguei a pedir para minha esposa pesquisar sobre eutanásia, para que eu não prejudicasse a família financeiramente. Depois demos muita risada desse episódio, porque até poderia entrar na Justiça para pedir eutanásia, mas demoraria tanto para sair uma sentença, que possivelmente  morreria antes, por outra razão.


O senhor ficou tetraplégico, mas fez importantes avanços no que diz respeito à reabilitação. O que o senhor espera?

Realmente tive conquistas importantes. Tenho um corpo flexível, um corpo forte. Na fase em que estou atualmente conquistei movimentos com o braço e com as mãos, para conseguir movimentar uma cadeira de rodas elétrica e usar o controle do iPad, do iPhone e alguns computadores com touch screen. Tudo isso teve uma dose brutal de disciplina, talvez uma disciplina que nem eu sabia que tinha. Minha expectativa é de que o exoesqueleto se transforme em uma realidade o quanto antes e que seja possível comprar. Porque, na realidade, é um conjunto de esparsidade x velocidade x força muscular x interligação entre a parte inferior e superior do seu corpo. É uma tarefa complexa, mas gostaria de provar isso num futuro próximo.


De executivo e CEO a conselheiro de empresas e palestrante. Como se deu esta transição de carreira?

Foi uma avalanche, porque as oportunidades iam aparecendo, e eu ia avaliando. Logo depois do acidente, decidi que não falaríamos para a grande imprensa sobre a situação da minha saúde. Tinha consciência de que, mais dia, menos dia, me impediria de fazer parte do corpo executivo da Azul, mas avaliei que aquela situação não traria nada de positivo para os clientes, apenas incerteza e insegurança. Por isso meu nome não era encontrado em nenhum hospital. Passado esse momento, acabei saindo da Azul em 2012. Depois de viver todas as fases que contei, foram surgindo oportunidades e ideias de me reinventar. Meu corpo não funcionava como antes, mas a cabeça sim. Assim, passei a me dedicar a outras funções, como consultor, escritor, palestrante, mentor e conselheiro.


Está realizado profissionalmente?

Estou realizado profissionalmente tanto como sócio do Grupo Solum quanto como conselheiro e mentor. Mas o que gosto mesmo é trocar conhecimento: conselhos consultivos de empresas em transformação. Do mundo velho para o mundo novo.

Quais orientações para quem almeja mudança profissional?

Diria para fazer qualquer escolha profissional com muito tesão. Que seja uma atividade que você goste muito, em uma empresa que admire. Diria, também, para manter o nariz para cima, enxergando possibilidades. Mas o mais importante é ficar atento a ter um legado. Se não, você se torna um profissional sem consistência, “fofinho”, que não entregou algo diferenciado.


Olhando para a sua trajetória, se arrepende de algo ou faria  diferente?

Não me arrependo de nada. As coisas foram feitas nos meus momentos, quando tive força para mudar de bordo e seguir minha trajetória, o meu contravento, fazendo uma analogia com minha outra paixão, que é velejar.


Como é ser inspiração de liderança e superação?

Me sinto realizado. Ser o norte para alguém é a coisa mais gratificante. Sempre trabalhei de forma exemplar e ética, aprendendo a encolher o ego no bolso e ensinando aos meus subordinados tudo o que podia. Ver empresas prosperarem a partir de valores que defendo e ensino, a partir de lideranças focadas em pessoas, é um dos meus motores para seguir.