Artigos

Seleção é resultado de obstinação, determinação e renúncia

Seleção é resultado de obstinação, determinação e renúncia

50
visualizações

Você é catarinense, mas foi treinando uma equipe paranaense que disputou a primeira Liga Nacional de Futsal. Como é a sua relação com o Paraná? 

É forte. Passei por três cidades no Paraná. Em Palmas, em 2006, foi uma passagem rápida. Depois estive em Toledo, em 2007, e em 2009 cheguei em Marechal Rondon, onde fiquei seis anos. Falo, sem medo de errar, que a maior referência do meu trabalho é Marechal, porque chegamos à final da Liga, em 2010, com um orçamento baixo comparado às grandes potências do futsal. Foi a primeira equipe do Paraná a chegar a uma final e isso impulsionou outras. Além disso, minha esposa é de Marechal e tenho grandes amigos lá. 


Você citou o orçamento enxuto do Marechal, que à época era patrocinado por uma cooperativa local. Qual a importância do apoio de empresas ao esporte em cidades menores? 

Sob o ponto de vista social, é difícil mensurar e acho que até por isso muitos não investem no esporte. O apoio de empresas traz à cidade visibilidade. No caso de Marechal, a cooperativa potencializou a imagem, e a visibilidade trouxe recursos à cidade, porque atraiu prestadores de serviços e investimentos, como o hotel que recebe os times adversários ao longo da competição, os restaurantes, o comércio que vende produtos esportivos. É uma cadeia que alimenta a cidade, só que as pessoas não têm essa visão. Por isso é importante trabalhar não só sob o aspecto do vencer. Atrelar um investimento ao resultado é quase um suicídio. Tem que atrelar à visibilidade, ao engajamento da sociedade, à opção de lazer, porque, não raro, a cidade pequena não tem cinema, não tem teatro, não tem uma outra atração. O ginásio é o grande palco onde as famílias se encontram. 

 

Como foi a sua transição de carreira? 

O atleta tem capacidade de entender em que momento as coisas começam a ficar mais difíceis, e a idade é um importante indicador. Às vezes você diz: vou parar aos 35 anos, mas aos 28 surgem outros interesses. Sempre gostei da área técnica, frequentava os ginásios para acompanhar treinadores, tanto de equipes principais como sub-20. Também me conectei ao esporte de maneira teórica. Me formei em Educação Física e fiz especialização quando ainda jogava. Aí observei que tinha um horizonte mais amplo do que a carreira de atleta. Como a maioria, iniciei como preparador físico. Depois fui auxiliar técnico, levei a roupa suja para o vestiário, trouxe da lavanderia para o vestiário... Fui aprendendo várias funções e fiz uma transição tranquila. Sabia que a vida do atleta era antagonista à zona de conforto. Talvez por isso seja difícil para as outras profissões essa transição. A maioria tem dificuldade de se desprender daquilo que faz e da cidade onde estão seus vínculos. Isso é ruim, mas a gente se acostuma. Agora, a preparação e buscar conhecimento são fundamentais. Estou há seis anos na seleção e estou finalizando o doutorado. Estudo, vou a congressos, a cursos e eventos. Estar aqui para falar da minha profissão e do meu esporte é uma prática que me ajuda a crescer. 

 

Além de estudar, você se dedica a ensinar. Por quê? 

Meu pai era educador e sempre incentivou esse lado de produzir conhecimento. Sou de uma geração que precisou aprender sozinho, caindo, levantando, tropeçando. Ninguém treinou treinadores para assumir postos importantes ou tomar grandes decisões. O treinador é moldado na prática, e ao longo da trajetória se depara com situações desconhecidas. Ele tem preparação técnica, tática e de administração de pessoas, mas isso se amplia porque é uma rede de interesses envolvendo imprensa, torcedor, dirigente e o próprio atleta. Precisa de conhecimento e preparo para gerir essas pessoas. Foi daí que decidi preparar os treinadores. Temos um projeto de publicação de livros. Eram para ser dez em cinco anos, mas em quatro anos temos 14 livros e devem vir mais porque a história do nosso esporte é dinâmica. 

 

Sonhava com a seleção brasileira?

Quando jogava, tive a oportunidade de jogar em duas equipes com atletas de nível de seleção. Dizia: “quero chegar na seleção”. Só esqueci de dizer de que forma. Deus me deu esta oportunidade mais tarde, com outra função. Foi resultado de obstinação, determinação e renúncia. Tenho um filho de 18 anos e passei praticamente todos os anos longe dele, perseguindo o sonho de ser um treinador de excelência. Dizer que eu sonhava em ser treinador da seleção brasileira? Talvez. Sonhava em ser um grande treinador e talvez isso seja um caminho para chegar à seleção. Nos seis anos que passei no Marechal sentia que estava próximo, mesmo num clube pequeno. De lá me transferi para uma equipe grande, uma potência mundial, e esta foi a chancela para dizer que realmente estava preparado. Assumi como técnico da seleção em 31 de julho de 2017 e estou até hoje.

 

Qual título persegue? 

Ao assumir a seleção, é meio um protocolo a ideia de ganhar o Mundial. Na última edição, na Lituânia, caímos na semifinal e acabamos em terceiro. Aquela medalha está num lugar de maior destaque no meu escritório, porque não sinto que é de terceiro. O futsal passa por transformação e estávamos num ciclo difícil, de que as coisas não aconteciam ou não tinha estrutura. Isso não serve de desculpa e fomos atrás de buscar o melhor. Quando subimos no pódio, eu disse que a medalha valia mais do que a de ouro porque não era nem para estarmos na festa final. Não consigo sentir frustração por este resultado porque acredito que precisamos ter propósitos, e o meu é muito maior do que isso. Tenho certeza que dia 6 de outubro, quando terminar o Mundial, vou ficar feliz se for campeão. No dia 7 terei que acordar para trabalhar porque a minha vida financeira não vai mudar para outro patamar, como se fosse no futebol ou no automobilismo. É claro que é legal ganhar, mas não é só sobre ganhar e perder. Até porque a derrota machuca mais do que a alegria de uma vitória. Trabalho para ganhar, mas trabalho mais pelo meu propósito que é orgulhar meus pais e a minha família.

 

O torcedor pode sonhar com o título na Copa deste ano?

A conquista da Copa América do ponto de vista técnico e, principalmente, emocional mostra que estamos compreendendo coisas que antes não se compreendia. Isso é fruto de uma estrutura boa, de uma confederação que tem apostado no trabalho. Embora as pessoas digam que a seleção mudou, isso não aconteceu da noite para o dia. Faz três anos que estamos trabalhamos esse ciclo e esta mudança. Formar uma equipe, numa empresa ou no esporte, leva tempo. 

 

Este ano tem Olimpíadas e o futsal continua fora como modalidade olímpica. O que acha disso? 

É culpa da nossa desorganização. Não adianta bater na porta do Comitê Olímpico Brasileiro nem do Comitê Olímpico Internacional se não preenchemos os requisitos da grade de modalidades olímpicas. Existe fomento ao futsal feminino, mas é baixo em nível mundial, tem continentes que não têm competições. Teremos o primeiro Mundial Fifa em 2025, mas ainda nem sabemos onde será a sede. Também tem a questão do impacto social. O Brasil tem números expressivos, são mais de 15 milhões de praticantes, sendo muitos decorrentes de projetos sociais e ONGs, além da prática esportiva escolar. É a modalidade mais praticada, é uma ferramenta de esporte social, mas precisamos de indicadores que sustentem isso. 

 

Robinho e Daniel Alves são ex-atletas de seleção que se envolveram em casos de violência contra a mulher. O que o esporte pode fazer para evitar situações como estas? 

Lamentavelmente, os dois casos mancham a imagem do esporte. Não é essa a educação que defendemos para as crianças e os jovens que estão com a gente hoje. É um tema que precisa ser tratado com seriedade porque convivemos em espaços ainda carregados de preconceito, machismo, intolerância, homofobia, enfim, de uma série de patologias. Não consigo entender que uma pessoa possa avaliar a outra pela cor, raça, forma de se vestir, se é homem, mulher ou se identifica com outra opção que lhe traga felicidade. O nosso ambiente é plural. Precisamos fazer um trabalho de formação com as crianças e adolescentes. 

 

O que projeta para o futuro?

Quando você fica no cargo de treinador de uma seleção de um país  importante durante tanto tempo começa a não enxergar lá na frente. Não consigo fazer planos para a seleção, a não ser os que tenho a curto prazo, que é o próximo Mundial. Gosto do cargo não pelo que ele me traz, mas pelo que posso fazer. Visito países onde nenhum treinador foi ou quis ir por distância, logística ou falta de recurso. Exerço uma relação diplomática para divulgar o Brasil, marcar território e levar a nossa bandeira. Hoje viajo o mundo como convidado para palestrar. Isso traz motivação de permanência, mas entendo que é um cargo de resultados. Pessoalmente, planejo ampliar meu conhecimento e meus projetos.