Artigos

Sem tempo para a crise

Sem tempo para a crise

887
visualizações

Em vez de frear investimentos, há empresários que desengavetaram projetos e até anteciparam expansão; para economista, há expectativa de queda sequencial da taxa de desemprego

Enquanto para alguns a crise gerada pela pandemia da Covid-19 traz incertezas e barra novos investimentos, para outros, traz oportunidades. O empresário André Contardi e o sócio Bruno Rocha Molina Fernandes estão no segundo grupo. Os dois acabaram de inaugurar a terceira unidade do Empório & Cia, que está no mercado desde 2012 e em dezembro ganhou a primeira filial. 

A decisão de expandir em meio à pandemia foi motivada por uma oportunidade. “Pensávamos em abrir mais uma loja, mas não havia planejamento para isso no momento. Só que aí um conhecido estava desocupando um imóvel em um ponto estratégico e surgiu a possibilidade de comprarmos. A proposta estava dentro do orçamento e decidimos investir”, conta Contardi. 

Também pesou na decisão dos sócios o faturamento da empresa nos últimos meses, em especial em julho e agosto. Na contramão do mercado, as vendas retomaram a curva de crescimento após queda brusca em março e tiveram desempenho acima da média. 

“O ramo de produtos naturais vem numa crescente expansão há algum tempo. Isso porque as pessoas estão mais preocupadas com a alimentação saudável”, explica o empresário.

Aumento de preços

No Empório & Cia a clientela encontra mais de 200 produtos, sendo que os campeões de venda são os chás a granel, as castanhas e itens para quem tem intolerância à lactose. Muitos desses produtos são importados e sofreram reajuste por causa da alta do dólar. O aumento dos preços foi talvez o impacto mais significativo da pandemia no negócio, já que o setor de alimentação teve menos restrições de funcionamento. “Trabalhamos apenas um mês como horário diferenciado”. 

Outra peculiaridade que chama a atenção é a aposta na venda física, em vez da online. Isso diante de um crescimento de quase 300% no volume de pedidos e faturamento advindo dos aplicativos Ifood e do WhatsApp. “Houve crescimento significativo nas vendas pela internet. Tanto que começamos a estruturar nosso e-commerce. Mas acreditamos que a nova loja física trará um importante retorno. Muitos vão à loja em busca de informações, querem tirar dúvidas, saber a finalidade dos produtos”.

O novo endereço fica na avenida Herval, e nem a proximidade da concorrência preocupa os sócios. “Estamos vivendo um ano atípico. Tudo está instável, mas estamos confiantes que assim como as outras duas lojas, a nova terá sucesso”, conclui.

Na contramão da crise

Na avenida Herval também fica a recém-inaugurada Nobello Modulados. Empresa do grupo Móveis Fragoso, que tem sede em Cianorte e está há 14 anos no mercado, a loja de Maringá é especializada em móveis planejados por módulos – os populares modulados. 

“Existem no mercado empresas que trabalham com modulados como item agregado, como é o caso das outras sete lojas do grupo Fragoso. O diferencial da Nobello é estar 100% focada em móveis planejados por módulos para cozinhas e quartos. Ela surge como pioneira do segmento”, explica o proprietário Eliezer Fragoso.

A Nobello começou a ser idealizada em novembro de 2019, e nem a pandemia fez o grupo desistir do projeto. Pelo contrário, segundo o empresário, em vez de adiar a abertura da loja, cogitou-se antecipá-la diante do bom momento vivido pelo grupo. 

“O movimento caiu um pouco no início da pandemia em Cianorte. Mas aí reinventamos a nossa forma de atendimento e logo depois estávamos batendo recordes de vendas. Por isso, pensamos em adiantar a abertura, mas não foi possível por causa das obras de reforma no imóvel”, conta Fragoso. 

Sobre a escolha de Maringá, o empresário explica que a cidade atendeu aos dois critérios elencados pelo grupo: um centro maior e próximo a Cianorte e com a construção civil aquecida. 

E para conquistar a clientela, a Nobello aposta numa loja conceitual e setorizada, com showrooms que reproduzem ambientes domésticos reais. “O cliente tem a sensação de estar dentro de uma cozinha ou quarto de verdade”. 

Para fazer os atendimentos individuais, de negociação de orçamentos e projetos, cada vendedor tem espaço próprio para garantir privacidade. Além de confortavelmente acomodados em sofás, os clientes desfrutam de mimos como chope, refrigerante e sucos.

Com a pandemia, Eliezer Fragoso cogitou até antecipar a abertura da Nobello, mas não foi possível por causa das obras no imóvel

30 empregos

O atendimento diferenciado, no entanto, não se limita ao momento da venda. A atenção no pós-venda segue o mesmo rigoroso controle de qualidade. “Hoje a gente vê muita reclamação de atendimento e qualidade da prestação de serviço. Nossa intenção é bater forte nesses pontos e impactar positivamente o cliente na loja, na entrega do produto e no pós-venda”, assegura o empresário. Entre contratações feitas e ainda previstas, a nova loja contará com um quadro de até 30 colaboradores. 

Outro diferencial está no preço. Os móveis, de acordo o empresário, encaixam-se nos mais diversos padrões e bolsos. Essa é uma das vantagens dos modulados que podem ser adaptados à necessidade do cliente ou feitos de forma parcelada, assim como o pagamento. 

“Podemos fazer uma cozinha compacta ou padrão luxo. É como se fosse um móvel planejado, o que muda é a forma de montagem e o fato de ser fabricado em uma indústria, não em marcenaria. E isso nos dá rapidez e vantagem no valor que fica entre 30% e 40% mais em conta do que da marcenaria”. 

O empresário não esconde a confiança. “Para ser sincero, a pandemia até agora mais nos ajudou do que atrapalhou, porque conseguimos negociar o imóvel e preços melhores para a contratação do serviço para reforma. Agora é confiar no potencial de venda”.

Expansão em três frentes

A crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus derrubou o faturamento da EcoAlternativa Assessoria Ambiental, mas não afetou o otimismo do biólogo Wagner Severiano em relação ao futuro do setor ambiental e sua capacidade de adaptação. Prova disso é que a empresa está em fase de implantação de três projetos. 

“Acredito muito que criar e inovar devam fazer parte do cotidiano de qualquer negócio, principalmente em tempos de crise. Tem aquele velho ditado que diz: ‘em tempos de crise, tire a letra ‘S’ e crie’. Foi exatamente o que fiz, aproveitei o momento para investir em negócios completares”, conta Severiano, CEO da empresa.

Parte do investimento está voltado para a formatação do modelo de franquia. “Seremos a primeira franquia de consultoria ambiental do Brasil focada em gestão de resíduos”, comemora o CEO. Segundo ele, a expansão estava prevista antes do início da pandemia e foi acelerada durante este período. A previsão é que a formatação esteja concluída no prazo de 60 dias.

A EcoAlternativa está há 12 anos no mercado, tem 16 colaboradores e conta com portfólio de mais de 50 projetos ambientais. Destacam-se o método selo verde, focado na redução de custos a partir da destinação de resíduos das empresas; o APP EcoEvento/Ecobusiness, aplicativo que tem como missão reflorestar o Brasil e projetar a responsabilidade ambiental das empresas; e o Econdominio, cujo objetivo é pleitear até 20% de desconto na taxa do IPTU de imóveis residenciais e comerciais. 

Por meio de franquias, a intenção do biólogo é levar esses serviços para outras cidades. “Nosso modelo de negócio cabe em todos os municípios, dos maiores aos menores”, assegura. A meta é ter 12 franqueados ao final do primeiro ano e dobrar o número a cada ano.

“Por meio da franquia vou conseguir fazer com que profissionais da área ambiental de todo o Brasil possam realizar o sonho não só de empreender na área da consultoria ambiental, mas projetar resultados expressivos por meio do nosso modelo de negócio”.

Wagner Severiano está formatando a abertura de franquias da EcoAlternativa e um espaço de coworking, com prática de esportes ao ar livre

Outro projeto que está prestes a virar realidade é o coworking ECO, um espaço convidativo à sustentabilidade e à prática de esportes ao ar livre com previsão de ser inaugurado em novembro. Em obras, o coworking funcionará em um terreno de 700 metros quadrados na avenida Morangueira e terá quadra de beach tênis, áreas de descanso, uma minibiblioteca – com bibliografia sobre práticas simples para se tornar um cidadão mais ecológico – e horta. 

“Nesse espaço os usuários poderão cultivar hortaliças orgânicas, pois todo o resíduo orgânico gerado em nossas estruturas serão compostados ali”, explica. 

Também em breve será lançada a Universidade Ambientalflix, um portal online focado na capacitação de profissionais da área ambiental. Além da programação virtual, haverá espaço para cursos presenciais. Severiano calcula cerca de 12 meses para começar a ter retorno dos três investimentos.

Economia reage

O otimismo dos empresários ouvidos pela reportagem não é à toa. De maneira gradual, a economia dá importantes sinais de recuperação. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram uma inversão na curva de geração de empregos em Maringá. Depois de meses de retração a partir de abril, as contratações voltaram a superar as demissões em 173 vagas em agosto. Em setembro, a Agência do Trabalhador chegou a anunciar quase 550 vagas de trabalho em uma única semana.

Para o economista João Adolfo Stadler Colombo, os dados mostram uma recuperação fortíssima a caminho, ao menos no mercado de trabalho. “Daqui em diante, dada a liberação de uma demanda reprimida, aliada à inflação que, ao menos na teoria, estimula a geração de empregos no curto prazo com o barateamento da mão de obra, a expectativa é de uma queda sequencial na taxa de desemprego”.

Já ao analisar os dados recordes de abertura de empresas, o economista é mais cauteloso e alerta para a possibilidade de uma ‘situação distorcida da realidade’. Segundo dados da Junta Comercial do Paraná (Jucepar), foram abertas 5.243 empresas só em julho. Colombo destaca, no entanto, que muitas empresas do Lucro Real, Presumido e até do Simples Nacional vêm utilizando o MEI para desonerar a folha de pagamento. “Pode ser tanto como novos contratos, quanto com os antigos colaboradores, simulando suas rescisões, reformatando de CLT pra MEI, passando a contabilizar essa despesa, antes tida como ‘mão de obra’, agora passando para ‘prestadores de serviço’ por meio das notas fiscais emitidas por esses CNPJs”, pondera. 

O economista cita ainda os desempregados e informais, que abrem MEI como forma de garantir benefícios. Por fim, ele atribui esses dados também às empresas em dificuldade - com restrições insolucionáveis com protestos, negativações, dívidas tributárias – que optam por abrir novos CNPJs a fim de um recomeço livre de restrições de crédito e outras imposições que terminariam de inviabilizar suas atividades.

O que vem por aí

Sobre os índices econômicos para os próximos meses, o economista diz que o terceiro trimestre ainda é uma incerteza após o tombo de quase 10% no Produto Interno Brasileiro (PIB) entre abril e junho, no entanto aposta em um último trimestre com alta razoável, algo em torno de 4%. “Isso deve estimular um pouco a economia durante a época do Natal”.

Ele também acredita no recuo dos preços dos alimentos que foram fortemente impactados pela disparada do dólar nos últimos meses, chegando próximo a marca dos R$ 6. Hoje a moeda americana cedeu para R$ 5,30 e aparentemente entrou em tendência de queda. “Passado o desarranjo causado pelo comércio internacional, dada tamanha volatilidade no câmbio, esperamos que tudo venha a se normalizar: que a inflação não fure o limite máximo da meta pelo Banco Central, dólar retorne abaixo dos R$ 5 e taxa de juros não se eleve acima de 6,5% no médio prazo”.

Colombo lembra ainda que o governo antecipou renda nacional futura ao dar dinheiro à população sem contrapartida. Embora reconheça a importância da medida, que amenizou os impactos ao impedir que parcela da população ficasse desamparada, ele alerta para um natural o caminho reverso. “Será preciso enxugar o excesso de moeda na economia, até para o controle inflacionário ser eficiente”. 

Esperamos que tudo venha a se normalizar: que a inflação não fure o limite máximo da meta, dólar retorne abaixo dos R$ 5 e a taxa de juros não se eleve acima de 6,5%
- João Adolfo Colombo, economista

Para o economista, o setor produtivo vem fazendo a sua parte, bem como a sociedade civil organizada, as associações e as cooperativas. Mas será preciso empenho também do setor público. “Infelizmente o prejuízo foi gigantesco, o deficit primário do governo será superior à soma de todo o deficit fiscal desde 2014. Mais do que nunca as reformas administrativas terão de ser implementadas, por bem ou por mal”, finaliza.