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Reportagem de capa

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Vinicius Kauê Pereira dos Santos, da Bionex, transforma lixo orgânico em adubo, oferecendo serviço para casas e condomínios; pátio de compostagem recebeu quase 30 toneladas de resíduos em um ano

Para muita gente o lixo é um material sem valor ou utilidade, que se joga fora. Mas na mão de um empreendedor o lixo pode significar uma oportunidade de negócio. Foi assim com Vinicius Kauê Pereira dos Santos. Em 2013, quando cursava Biologia, ele se surpreendeu com o volume de resíduos gerados por clientes da empresa de consultoria ambiental em que estagiava. 

“Atendia restaurantes e muitos deles misturavam todos os resíduos, e pagavam mais pelos serviços de coleta e destinação. Meu trabalho era conscientizar os funcionários sobre a importância da separação, tanto para reduzir custos quanto para diminuir os impactos ao meio ambiente”, recorda.  

Com a ampliação da coleta seletiva, a separação dos recicláveis avançou. Já os restos de comida continuaram indo com os rejeitos para o aterro sanitário de Maringá. “Rejeitos são materiais que não podem ou dependem de tecnologia para serem reaproveitados, diferente dos resíduos, classificados como secos (recicláveis) e molhados (orgânicos), que podem ser reaproveitados”, explica o agora biólogo. 

Decidido a dar novo destino ao lixo orgânico, ele pesquisou formas de compostagem e em 2016, no último ano do curso, testou um método 100% natural. “Pegávamos os restos de comida do Restaurante Universitário para estudarmos o processo, porque se não for feito da forma correta, traz problemas como o odor e pode atrair vetores”. 

Depois de testado e aprovado, o método foi colocado em prática na Bionex, empresa inaugurada no final de 2020, com a proposta de coletar lixo orgânico e transformá-lo em adubo natural. 

O serviço pode ser contratado por meio de planos de assinatura. Para as residências, existem opções de coleta semanal ou quinzenal por R$ 55 e R$ 45, respectivamente. No primeiro mês, é cobrada matrícula no valor de R$ 20 pelo baldinho para o armazenamento do lixo. Para condomínios, há descontos. 

Para clientes comerciais, o valor do serviço varia de acordo com o volume gerado e a frequência de coleta. A mensalidade da bombona de 100 litros, com tampa e lacre de vedação, custa R$ 180. 

Todo o material coletado é pesado antes de ser levado para o pátio de compostagem, que fica numa área rural na Vila Guadiana, em Mandaguaçu. O terreno de 180 metros quadrados já recebeu quase 30 toneladas de resíduos no intervalo de um ano. “É um volume considerável levando em conta que abrimos a Bionex durante a pandemia e todo o trabalho, da coleta à compostagem, é feito apenas por duas pessoas”, diz Santos, referindo-se a ele e ao sócio, o geógrafo Luís Freire.  

Para transformar o lixo orgânico em adubo, os dois reutilizam serragem e palha. O processo de decomposição demora de cinco a seis meses, dependendo das condições climáticas. 

E ao final, os resíduos viram adubo e biofertilizante líquido, cujos destinos podem ser a comercialização ou a devolução aos clientes. O restante é doado para entidades assistenciais, ONGs e hortas comunitárias. “O material coletado da Companhia Sulamericana de Distribuição (CSD), por exemplo, depois de transformado é destinado a uma horta comunitária. São cerca de 150 quilos de adubo mensais”, conta o biólogo. 

Em relação ao mercado a ser explorado, a expectativa é de crescimento. Tanto que o pátio de compostagem será transferido para um terreno de mil metros quadrados. “Temos uma ideia errada de que colocamos o lixo na lixeira e ele desaparece. Justamente por isso esse serviço se faz necessário. A pessoa se alimenta, joga fora o resto de comida, fazemos a coleta e transformamos em adubo que é utilizado no cultivo de outro tipo de alimento. Ou seja, precisamos nos conscientizar da importância deste ciclo para o meio ambiente”.  


De volta à cadeia produtiva

Outro campo promissor vem de negócios que ajudam empresas a arcar com a responsabilidade de limpar o mundo do lixo que seus consumidores deixam para trás. Se antes embalagens de defensivos agrícolas e óleos lubrificantes eram enterradas, queimadas ou descartadas ao ar livre, hoje são reaproveitadas, gerando renda e empregos e servindo de matéria-prima para empresas como a Cimflex Indústria e Comércio de Plásticos. 


Ricardo Jamil Hajaj, da Cimflex, reinsere embalagens de defensivos agrícolas na cadeia produtiva, transformando-as em matéria-prima para a construção civil e infraestrutura

“Os resíduos plásticos, quando descartados incorretamente, poluem o meio ambiente, contaminando os lençóis freáticos ou se forem queimados a céu aberto, liberam gases de efeito estufa à medida que se decompõem, contribuindo para o agravamento do aquecimento do planeta, dentre outros impactos ambientais”, alerta o sócio e diretor executivo da Cimflex, Ricardo Jamil Hajaj.

Daí a importância da reinserção desses plásticos na cadeia produtiva. No caso da Cimflex, que está no mercado desde 2005, o retorno acontece na forma de soluções para os setores de construção civil e infraestrutura. “É um processo importante, pois transforma um material utilizado em nova matéria-prima para produtos que oferecem as mesmas propriedades e qualidade de uma matéria-prima nova”, afirma Hajaj.

As embalagens plásticas de Polietileno de Alta Densidade (Pead) já chegam descontaminadas, inspecionadas e destinadas em linha de moagem apropriada. Antes de serem transformadas em matéria-prima, essas embalagens passam por um processo de tríplice lavagem e secagem. Somente depois são utilizadas na produção de resina e, na sequência, em dutos, eletrodutos, drenos corrugados e tubos lisos em polietileno. 

Na empresa são processadas mais de 7 mil toneladas por ano de reciclados. As embalagens de agroquímicos são adquiridas do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias. Já as de óleo lubrificantes vêm do Sistema de Logística Reversa Jogue Limpo. Também já foram adquiridos materiais de cooperativas do Paraná e de São Paulo.

Além disso, as instalações da fábrica operam de forma sustentável. Toda a água utilizada no processo é reutilizada por meio da Estação de Tratamento de Efluentes. “Ou seja, é tratada e continuamente recirculada, não havendo emissão de efluentes líquidos em corpos receptores ou rios”, diz o diretor. Já os resíduos gerados são segregados e destinados a empresas habilitadas para coleta, transporte e destinação final adequada dos rejeitos. 

A Cimflex também apoia iniciativas que visam a soluções sustentáveis e inovadoras, como o projeto de catadores, cooperativas e pescadores que realiza a coleta de resíduos plásticos nas cidades, praias e mares.


Destinação responsável

Na Help Car, empresa de mecânica, funilaria e pintura, todo o material com resíduos de óleo lubrificante é descartado sem comprometer o meio ambiente. Do óleo queimado às embalagens, até as estopas sujas, tudo é separado em recipientes e armazenado até ser recolhido por empresas especializadas. “São duas empresas credenciadas. Uma é responsável por recolher e dar destino correto ao óleo queimado e a outra, aos demais materiais”, explica o empresário Roberto Koepsel, acrescentando que o processo é documentado, oficializando a retirada para haver controle da destinação.  


Roberto Kospsel, da Help Car, tem parceria com duas empresas para recolher e dar destinação a óleo queimado e outros materiais

No mercado desde 1992, o empresário conta que adotou a prática há mais de dez anos e o único investimento necessário, à época, foi a readequação do espaço físico para armazenar os recicláveis. “Implantamos o processo porque temos consciência da nossa responsabilidade em cuidar do meio ambiente, principalmente porque são produtos de alta contaminação”, explica.  

A atitude responsável tem custos, mas também traz renda. Koepsel paga R$ 80 por tambor de embalagens, estopas e outros materiais. Por outro lado, recebe R$ 2,3 por litro de óleo queimado da empresa que coleta e recicla o produto. Por mês, a Help Car gera aproximadamente 150 litros de óleo queimado. 

“Essa política de destinação correta e reciclagem dos resíduos é importante para o meio ambiente. Infelizmente ainda estamos longe do ideal. Muitos fabricantes ainda não se conscientizaram da importância e necessidade deste processo”, lamenta o empresário.


Toneladas no lixo

Os três negócios citados na reportagem comprovam que lixo é um negócio lucrativo e positivo para o meio ambiente, desde que tratado corretamente. Entretanto, coletar, separar, reciclar e processar o que os brasileiros não querem mais ainda são um grande desafio no país.   

O Brasil produz anualmente mais de 82 milhões de toneladas de lixo, e apenas 4% são reciclados. Quase 40% do total – mais de 30 milhões de toneladas – vão parar nos lixões, que são aterros considerados inadequados, com risco ao meio ambiente e à saúde. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe), mais de 3 mil lixões ainda estão ativos. 

Em nova tentativa de mudar essa realidade, o Brasil ganhou em abril, por meio de um decreto, um plano para tratamento do lixo, que tem entre as metas o fim dos lixões no país até 2024. A lei que criou os caminhos para melhorar a gestão dos resíduos sólidos é de 2010, mas precisava ser regulamentada, o que só aconteceu agora, após 12 anos de espera. 

A complexidade e os custos para implementação de uma gestão que efetivamente atenda ao propósito de aumentar o tempo de vida do planeta explicam a demora de mais de uma década. “Tem lixo mais pobre, mais rico, tem sazonalidade, enfim lixo tem impressão digital. O problema é que a destinação ambientalmente correta é cara e muitas vezes pouca quantidade não viabiliza os investimentos necessários”, diz o engenheiro civil Silvio Barros, que é consultor em Governança Colaborativa e Sustentabilidade. 

O presidente da Associação Profissional dos Geógrafos do Estado do Paraná (Aprogeo-PR), Jorge Luís Oliveira Campelo, também vê relação com quem detém o poder econômico. “A legislação atinge em cheio as grandes corporações que usam a economia linear para gerar capital. A lei está saindo do papel porque, hoje, elas estão sujeitas às questões de compliance, sustentabilidade e impacto social do negócio, determinantes para atrair investimentos”. 

Além do panorama do problema, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) apresenta soluções e metas para a gestão dos resíduos no Brasil. Os dois especialistas, entretanto, são categóricos ao afirmar que os municípios brasileiros não estão preparados para colocá-lo em prática. Pesam, em especial, as peculiaridades de cada cidade e a falta de políticas estratégicas.  

“O Brasil é um país continental e tem quase 6 mil municípios, sendo que a maioria é pobre. Mas não tem a ver com tecnologia ou dinheiro porque até existem recursos e linhas de crédito do governo federal para subsidiar. Faltou alinhamento amplo com a base de todo processo de mudança cultural, a base educacional. Sem consciência pessoal e participação individual, é pouco provável que problemas desta magnitude sejam sanados em tão pouco tempo”, pontua Campelo.

“É preciso um grande trabalho de conscientização e de informação aos gestores. Tem muito prefeito querendo resolver o problema, mas não sabe como. Os órgãos ambientais precisam ajudar em vez de dificultar a utilização de novas tecnologias”, completa Barros, acrescentando que para muitas cidades a solução está numa ação conjunta, coordenada e consorciada.


Reciclar é preciso


“Tem lixo mais pobre, mais rico, tem sazonalidade. Lixo tem impressão digital. O problema é que a destinação correta é cara e muitas vezes pouca quantidade não viabiliza os investimentos”, diz o engenheiro Silvio Barros

Além de acabar com os lixões, o plano estabelece que, até 2040, metade do lixo produzido deve ser reaproveitado de alguma forma. O tratamento e a industrialização são apontados como as saídas mais inteligentes para o cumprimento das metas. E para isso, há diversas tecnologias disponíveis e em estudo. 

Barros aposta no tratamento e na industrialização do lixo para alcançar a meta e cita, por exemplo, a transformação do Resíduo Sólido Urbano (RSU) em composto sintético que pode ser usado como combustível para caldeiras, a separação do lixo orgânico para geração de biometano para abastecer frotas de veículos, tecnologias que transformam lixo em eletricidade ou fazer do lixo um gerador de vapor para indústrias que precisam disso como insumo.

Também é possível, com o uso de equipamentos, transformar o lixo plástico em diesel e gasolina ou ainda em madeira biossintética. “Existem soluções interessantes e viáveis. Mas tudo depende do tipo de lixo, da quantidade e da regulamentação de cada cidade e estado”, pondera Barros. 

Até mesmo a incineração – modernamente chamada de recuperação térmica – pode ser uma alternativa, mas divide a opinião dos especialistas. “Visitei uma usina de incineração na região de Goiânia que é referência na destinação de vários tipos de resíduo. Não se trata de queimar lixo. Gaseificação e pirólise, por exemplo, são sistemas térmicos utilizados em todo o mundo, porém sem presença de fogo”, diz Barros. 

Campelo, por sua vez, não vê a tecnologia como opção prática para demandas e dimensões geográficas e populacionais do país. “A incineração é aplicada em resíduos específicos e o processo gera resíduos também. O Brasil não tem uma planta industrial para esse tipo de destinação. Muitos países da Europa já têm”.


Jorge Luís Oliveira Campelo, da Aprogeo: “para as empresas que têm ciclo e faturamento definidos, a mudança é mais difícil porque precisa parar tudo, repensar o processo e começar do zero”

Início do caminho

Já a necessidade do país avançar em conscientização ambiental e economia circular é consenso. “Não é suficiente as pessoas mudarem os hábitos e separarem o lixo se depois não tivermos o que fazer com ele”, diz Barros.  

E aí a solução passa por explorar o business por trás da logística reversa e ‘aposentar’ a economia linear. Há opções interessantes e de grande valor agregado, mas colocá-las em prática requer sacrifícios e investimentos.

“Existem muitos negócios, principalmente startups, surgindo neste meio. Agora, para as empresas que têm ciclo e faturamento definidos, a mudança é mais difícil porque precisa parar tudo, repensar o processo e começar do zero”, pontua Campelo. 

De qualquer forma, o caminho é inevitável e o Brasil dá os primeiros passos. “A economia circular e as pressões para a neutralidade de carbono do próprio mercado vão obrigar os resíduos a serem transformados em insumos”, opina Barros. 

O incentivo também vem de grandes empresas, por meio da criação de selos que atestam a sustentabilidade. Segundo Campelo, as corporações até subsidiam ideias, mas nem sempre assumem o risco altíssimo que implicam a implantação. “Tem empreendedores buscando alternativas, geralmente por meio de startups”. 

“Ainda estamos jogando fora muita coisa que tem alto valor e conforme as alternativas vão aparecendo a logística reversa vai virando vantagem em vez de obrigação”, completa Barros. 

Alguns tipos de resíduos ainda precisam de uma gama maior de opções de destinação. Esta carência está ligada ao modelo de negócios atrelado à cadeia de cada um deles. O vidro, por exemplo, pode ser reciclado infinitas vezes, mas as utilidades são limitadas e a logística para levar o material até as poucas recicladoras do país é cara e perigosa. Os resíduos da indústria têxtil também têm várias aplicações, mas ainda são timidamente praticadas por aqui. O mesmo ocorre com os orgânicos.  

O que mais preocupam são os segmentos de resíduos de alta complexidade, a exemplo dos eletroeletrônicos, que são pouco assistidos, mesmo tendo metas gigantes, saindo de 3% para 17% em dois anos.


Conselho reforça a cidadania no mundo empresarial


Outra contribuição à promoção do desenvolvimento sustentável vem do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE), ligado à Federação das Indústrias do Paraná (Fiep). Em Maringá, o núcleo regional do CPCE atua desde 2011 e é dirigido pelo empresário da construção civil Paulo Pereira Lima.

Uma das principais atribuições do conselho é articular as competências de Responsabilidade Socioambiental Corporativa das empresas e dos diferentes setores da sociedade, disseminando boas práticas entre a indústria do Paraná.

“A crise climática, a pandemia e os desafios sociais são questões que devem ser enfrentadas com políticas públicas, programas e projetos com metas e indicadores que promovam impacto efetivo”, diz Lima. “Porém, também é fundamental incentivar práticas de cidadania que as empresas e a população podem adotar para transformar localmente a realidade”, acrescenta.

O CPCE atua no apoio a mecanismos inovadores de governança e procura influenciar políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. Também coopera com os programas da Organização das Nações Unidas (ONU), estimulando as empresas a aderirem aos pactos nacionais e internacionais em prol da sustentabilidade.

Para alcançar seus objetivos, o conselho desenvolve uma série de projetos. Entre eles, o ‘Educando na Sustentabilidade’, que qualifica jovens em diversos temas de sustentabilidade, dando ênfase aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 

Já o ‘Sustentabilidade na Cadeia de Valor’ objetiva o intercâmbio de boas práticas e metodologias para criar sinergia entre as empresas com  fornecedores, colaboradores, consumidores e demais partes interessadas. Destaca-se, ainda, sua atuação frente aos incentivos fiscais, informando, disseminando e incentivando a aplicação das leis de incentivos fiscais em prol do desenvolvimento sustentável.