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Cotas garantem vagas, mas cumprimento nem sempre é fácil

Cotas garantem vagas, mas cumprimento nem sempre é fácil

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Lara Pimenta Ganassin e Tiago Gonçalves, da Sicredi Dexis: cooperativa  emprega 40 colaboradores com deficiência intelectual e 27 jovens aprendizes

Iniciativas focadas na diversidade e na inclusão estão mais presentes nas organizações. O avanço deve-se ao compromisso das empresas quanto às responsabilidades sociais, mas principalmente às exigências previstas nas leis n° 8.213/1991 e n° 10.097/2000, conhecidas, respectivamente, como Lei de Cotas e Lei do Jovem Aprendiz ou Lei da Aprendizagem. 

A primeira obriga empresas com mais de cem funcionários a preencher de 2% a 5% do quadro de funcionários com pessoas com deficiência. Já a segunda prevê a contratação de jovens entre 14 e 24 anos como aprendizes em empresas de médio e grande portes - o percentual varia de 5% a 15%.

“São políticas de ação afirmativa criadas para facilitar e regrar a inserção desses públicos no mercado e gerar benefícios sociais. A intenção é profissionalizar jovens e adolescentes, permitindo um trabalho protegido, diminuindo a discriminação e facilitando a inclusão e emancipação social das pessoas com deficiência”, explica o procurador Fábio Alcure, do Ministério Público do Trabalho.


Empresa inclusiva 

A Sicredi Dexis abraçou o desafio de se tornar uma empresa inclusiva, empregando 40 colaboradores com algum grau de deficiência intelectual e 27 jovens aprendizes.

As pessoas com deficiência chegam à cooperativa por meio do programa Eu Coopero com a Inclusão, que é desenvolvido desde 2015, inicialmente nas Apaes de Maringá e Nova Esperança/PR, e recentemente expandido para Londrina/PR e Piracicaba/SP.

Todos são registrados e recebem salários condizentes com as funções que exercem. Parte atua dentro das agências, em atendimento ao público, auxílio nos caixas eletrônicos e nas rotinas administrativas. “Eles são direcionados às funções de acordo com a aptidão”, explica a assistente de Desenvolvimento da cooperativa, Lara Pimenta Ganassin.

Há também um grupo que desempenha as tarefas na própria Apae, em um ambiente ‘protegido’. Lá os colaboradores produzem brindes institucionais. “Promover a inclusão é transformador. Por um lado, as equipes aprendem a conviver com as diferenças e ficam mais empáticas. Por outro, desperta no colaborador com deficiência o sentimento de pertencimento”, comenta Lara.

Esse sentimento é compartilhado pelos jovens aprendizes, cujas contratações são feitas de acordo com as demandas das equipes, sendo que a seleção ocorre em duas etapas. “A primeira é feita por meio da gravação de um vídeo, onde conhecemos um pouco da trajetória do jovem. Depois é agendado um bate-papo com nossos consultores, responsáveis pelo recrutamento. Contamos com o suporte de instituições parceiras para seleção prévia do perfil apontado pela cooperativa”, explica o assistente de Gestão de Pessoas da Sicredi Dexis, Tiago Gonçalves.

A média de idade dos contratados é de 18 anos e o tempo de contrato varia de 15 a 24 meses, de acordo com a região e a entidade parceira. O programa foca na promoção do desenvolvimento e na preparação desse público para o mercado de trabalho. “A efetivação é consequência do desenvolvimento individual, mas não é fomentado como objetivo a ser alcançado. Apesar disso, temos diversos exemplos de efetivação”, conta Gonçalves.

Na cooperativa, os aprendizes contam com suporte e supervisão de padrinhos, que os ajudam a se desenvolver na função de assistentes e auxiliares, oportunizando aprendizagem, formação e liderança. “Vemos o quanto temos transformado a vida de jovens e suas respectivas famílias por meio do programa e, como consequência, absorvemos como instituição os frutos que eles colhem, sejam social, relacional e/ou comportamental”, relata o assistente.


Escassez x demanda

Enquanto algumas empresas se destacam por criar programas, outras ainda encontram dificuldades. O preenchimento das cotas, segundo empresários e gestores, esbarra na falta de mão de obra qualificada, na oferta de vagas maior do que a disponibilidade e na ausência de comprometimento. A acessibilidade também é uma barreira.




Fábio Alcure, procurador: “reclama-se muito da falta de qualificação e comprometimento das novas gerações. O programa é uma possibilidade de moldar os jovens de acordo com a cultura da empresa”


O procurador Fábio Alcure reconhece a dificuldade no que diz respeito às pessoas com deficiência. “A prática tem nos mostrado que é difícil mesmo, principalmente se a cota for alta ou a empresa for de uma atividade pouco interessante ou fica num local distante, de difícil acesso”. 

Já entre os aprendizes, segundo ele, não há escassez, apenas em situações pontuais. “Em alguns segmentos é um pouco mais difícil. Historicamente a construção civil enfrenta dificuldade para encontrar adolescentes interessados em se inscrever nos projetos”. 

O procurador reforça que, além de permitir trocas valiosas de conhecimento e vivências, a pluralidade é capaz de impulsionar os resultados da equipe. E no caso dos aprendizes, é possível sanar problemas recorrentes de qualificação. “Reclama-se muito da falta de qualificação e comprometimento das novas gerações com o trabalho. Esta é uma possibilidade de moldar os jovens de acordo com a cultura da empresa e fazê-los vestir a camisa. Para quem vê o instituto por este viés, acaba sendo valoroso”.

Para isso as empresas contam com uma ajuda valiosa. A própria legislação coloca como condição a parceria com entidades do sistema S ou instituições assistenciais, uma vez que os aprendizes têm que desenvolver na empresa atividades práticas relacionadas ao projeto teórico de aprendizagem a que estão inseridos. 


Formação e qualificação



“O primeiro emprego representa dignidade e renda, e isso faz o jovem se conectar à empresa”, aponta Ana Carolina Tiene Andrade, da Lins de Vasconcellos; lá 500 jovens estão em formação

Referência na promoção do desenvolvimento profissional de jovens, a Lins de Vasconcellos dá suporte a 120 empresas de Maringá e região que têm que cumprir a legislação da aprendizagem. Pelo programa da entidade já passaram mais de três mil jovens entre 14 e 24 anos. Hoje 500 estão em formação. Além das habilidades técnicas para atuar em setores administrativos, de produção, de logística e lanchonetes, são trabalhadas competências comportamentais. “O trabalho começa no programa de pré-aprendizagem, com duração mínima de seis meses. É um módulo onde são trabalhadas habilidades comportamentais por uma equipe multidisciplinar”, explica a gestora institucional, Ana Carolina Tiene Andrade.

O encaminhamento para os processos seletivos é feito de acordo com o perfil solicitado pela empresa. “Enviamos pelo menos três candidatos por vaga”, conta a gestora, lembrando que depois de selecionado, o aprendiz continua sendo assistido pela equipe da Lins de Vasconcellos. 

 O programa prioriza jovens de famílias em situação de vulnerabilidade social e exige que o participante esteja matriculado na educação regular. Por mês, são abertas 30 vagas disputadíssimas. “Há lista de espera”, diz Ana Carolina. “O que acontece, especialmente após a pandemia, é que as empresas têm buscado os maiores de 18 anos, porque se tem a ideia de que possuem comportamento mais maduro ao trabalho”. 

A preferência, segundo ela, deixa de atender à prioridade de proteção dos adolescentes entre 14 e 17 anos, que são a maioria dos que procura o projeto. Ana Carolina também vê a lei do aprendiz como uma oportunidade de formação de mão de obra. “O primeiro emprego representa dignidade social e renda, e isso faz o jovem se conectar à empresa de uma maneira diferente, surgindo um sentimento de gratidão e pertencimento. Com isso, ele pensa em crescer na empresa”.

Segundo ela, o índice de efetivação dos jovens assistidos pela Lins de Vasconcellos está próximo de 30%, e a intenção é elevar o número. 

Este também é o objetivo do programa Cartão Futuro, em vigência desde 2021. Por meio dele, o governo do Paraná dá subsídio mensal à empresa que contratar jovens entre 14 e 21 anos. O valor varia de R$ 300 a R$ 450, dependendo do perfil do aprendiz e do contrato firmado. 


Formação e proteção



Apae de Maringá acompanha inserção de pessoas com deficiência no mercado e também assegura trabalho protegido, conta a diretora Cacilda Jalotto Santos

Outra importante aliada das empresas é a Apae de Maringá. Desde 2005, a entidade desenvolve o projeto jovem aprendiz para pessoas especiais a partir de 14 anos. Inicialmente capacita os alunos com conhecimentos de serviços operacionais e administrativos e depois os encaminha para o mercado.

“O candidato é enviado às empresas parceiras de acordo com o perfil solicitado”, explica a diretora Cacilda Veronese Jalotto Santos. Após a contratação, a entidade presta assessoria por dois anos à empresa. Outra possibilidade é o trabalho protegido, voltado para pessoas que não podem trabalhar na empresa por restrições ou por demandarem cuidados especiais. Nesta modalidade, as empresas elaboram o projeto de acordo com a necessidade e o colocam em prática em parceria com a Apae. Os contratados pela Cocamar, por exemplo, produzem cerca de 150 mil mudas por ano para reflorestamento. Já a Unicesumar usa a mão de obra para reciclagem, enquanto a Sicredi trabalha com uma linha de aromaterapia. “É um pedacinho das empresas que funciona aqui. Enquanto trabalham, os alunos são monitorados e devidamente assistidos por nossas equipes”.  

Cacilda não esconde o orgulho das parcerias e do trabalho ao longo dos anos. “É gratificante ver essas pessoas se tornando protagonistas da própria história, contribuindo até com a renda familiar”.


Fiscalização

Fiscalizar o cumprimento das duas leis é responsabilidade do Ministério do Trabalho, enquanto ao Ministério Público do Trabalho cabe a investigação e apuração de denúncias ou comunicações. “Se a empresa é notificada pelo Ministério do Trabalho e não faz a regularização, propomos um termo de ajuste de conduta, e em último caso, uma ação civil pública. A mera imposição de multa não é suficiente para coagir a empresa a cumprir as cotas”, diz. 

Sobre o patrocínio para paratletas, Alcure diz haver entendimentos controversos. “O Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, de forma quase geral, entendem que não é suficiente para cumprir a cota. Mas depende do formato do projeto, uma vez que a intenção de lei é a inserção no mercado de trabalho e no ambiente social, ou seja, tirá-los do ostracismo”. 


MP cria regras para aprendizes
Está em vigor desde maio a Medida Provisória (MP) 1.116/2022, que traz novas regras para a contratação de aprendizes. Segundo o governo federal, a intenção é criar 100 mil vagas para jovens aprendizes, sendo que a prioridade serão para o público beneficiário do Auxílio Brasil, adolescentes em acolhimento institucional e provenientes do trabalho infantil. 
Veja algumas mudanças:
• a duração máxima passa de dois para três anos do contrato de aprendizagem
• possibilidade de prorrogação do contrato de aprendizagem, respeitado o limite máximo de quatro anos, para os casos de continuidade de itinerário formativo
• amplia as formas de cumprir a cota aprendizagem, prevendo mais hipóteses de contratação indireta
• dispõe a respeito da possibilidade de cumprimento de jornada de até oito horas diárias para o aprendiz que tiver completado o ensino médio
• tempo de deslocamento do aprendiz entre as entidades profissionalizantes e o empregador não será computado como jornada 
• a formação técnico-profissional do aprendiz obedecerá à garantia de acesso e frequência obrigatória no ensino básico, e não mais ao ensino fundamental
• cria regra especial para o cálculo da cota de aprendizagem na hipótese de se tratar de empresas com mais de um estabelecimento no mesmo estado.