Artigos

Quem é? Marcos Piangers

Quem é? Marcos Piangers

1245
visualizações


Temos a chance de criar uma sociedade melhor ou pior 
 - Marcos Pianglers

Em um passado nada distante, não eram poucos os profissionais que planejavam passar mais tempo com a família ou tirar um ano sabático. Pois bem, o futuro chegou. E precisa ser vivido. “Estamos obrigatoriamente dentro de casa, conectados às famílias. Me parece prejudicial pensarmos no pós-pandemia neste momento, no futuro ‘ideal’ como costumávamos fazer. Vale o esforço para viver o hoje”, opina o jornalista Marcos Piangers.

Especialista em tecnologia e inovação, Piangers acredita que é possível transformar a pandemia da Covid-19 num profundo aprendizado e aprimoramento. “Temos a chance de criar uma sociedade melhor ou pior, é uma bifurcação que acontece em todos os momentos históricos”, destaca o jornalista, autor do best-seller ‘O papai é pop’.

Para o mercado corporativo, ele acena para dois caminhos. Um com empresas mais humanas, de trabalho remoto e assíncrono, treinamento constantes e trabalhadores inspirados. O outro é de monopólio, com empresas sem comprometimento social e limitando o acesso de negócios menores a mercados importantes. Confira:

Há quem diga que a pandemia antecipa mudanças. Você concorda?

Há tempos sofremos uma série de impactos da tecnologia na nossa relação com o trabalho. Antigamente trabalhávamos até as 18h e agora vamos até as 22h. Levamos trabalho para casa, respondemos e-mail e consultamos incessantemente o WhatsApp. Sem falar nas possibilidades proporcionadas pelas plataformas digitais. Sem dúvida, a pandemia potencializa a rapidez dessas transformações. Depois da crise de 2008 assistimos ao surgimento dos bitcoins frente à insegurança do mercado financeiro. Depois dos bancos digitais, veio o boom nas startups chinesas. A crise é uma ruptura que oportuniza às empresas e aos empreendedores mais audaciosos a oferecer soluções que podem se estender para períodos de bonança. Esta de 2020 certamente vai potencializar o e-commerce. Marcas que conseguirem se posicionar digitalmente, construindo um relacionamento com o cliente, terão vantagem frente aqueles que estão esperando a crise passar. O trabalho será assíncrono, ou seja, poderá ocorrer em períodos do dia diferentes sem que os trabalhadores estejam no mesmo local e na mesma hora. Isso deve dar um salto de produtividade ao permitir que empresas funcionem 24 horas, com colaboradores em diferentes partes do mundo produzindo e entregando resultados o tempo. O coronavírus também torna urgente a necessidade automação na indústria. A crise nos permite redesenhar o mundo e dela pode sair uma sociedade mais democrática, inclusiva, igualitária e inovadora ou numa sociedade centralizada, como monopolização de poder, menos distribuição de renda e oportunidade de crescimento.

Quais são os principais desafios para os profissionais que estão em trabalho remoto?

Trabalho remoto não é home office. Trabalho remoto pode ser feito em qualquer lugar, num escritório alugado, restaurante, café, numa praça ao ar livre ou em casa mesmo. O que estamos vivendo é uma obrigatoriedade de estar em casa e, com as escolas fechadas, compartilhando esse espaço com os filhos. Isto é uma adaptação desconfortável de trabalho remoto, cujo conceito está atrelado a horário pré-determinado e a um local sem interferências e sem a necessidade de ser conciliado com as demandas familiares. De qualquer forma, o trabalho remoto será uma realidade mais forte na maioria das empresas, até porque muitas delas têm reportado aumento de produtividade e satisfação dos funcionários com esse modelo. Os profissionais que têm filhos estão passando por dificuldades maiores, e diante disso as empresas precisam ser mais humanas e compreensivas. E percebe-se ao redor do mundo uma onda de empresas tentando ser mais humanas e sustentáveis. Nem todas querem ser unicórnios e valer mais de um bilhão de dólar. Há aquelas que prezam por ambientes mentalmente saudáveis para os profissionais, por preservar as relações familiares e a capacidade de exercitar as relações comunitárias.

Se reinventar nunca foi tão urgente. O que é mais importante neste momento: tecnologia, inovação ou criatividade?

Inovação nada mais é do que criatividade aplicada. Então, sem dúvida, o mais importante hoje é ter uma equipe criativa. Ter colaboradores imbuídos de uma cultura de aplicação da criatividade no dia a dia, de busca por soluções melhores e digitais, deixa a empresa mais preparada para as transformações tecnológicas. Porém, é preciso dizer que a criatividade depende do ambiente de trabalho. Pesquisas científicas apontam que a criatividade míngua em momento de apavoro e crise, diante do medo e da insegurança. Por outro lado, ela floresce em ambientes humanos e seguros. E a inovação é a força das empresas hoje porque dá a possibilidade de criar serviços e produtos de maneira escalável com equipes enxutas. A tecnologia rompeu os limites geográficos e temporais. Essas características têm diferenciado empresas nos últimos anos e continuará diferenciando nas próximas décadas.

O universo digital se tornou a salvação para muitos negócios, inclusive para aqueles que tinham resistência ao meio. Este deve ser o início de uma nova geração de empreendedores?

É a chance de experimentar e ousar mais. Há tempos se fala sobre a necessidade de reinvenção e digitalização dos negócios, das marcas, dos profissionais e das empresas. É preciso abraçar a tecnologia, não lutar contra ela. Com esta crise, muitos que acreditavam que os negócios poderiam ser conduzidos da forma que sempre foram estão percebendo que é necessária a digitalização. Nos dois últimos meses uma série de empresas criou pontos de contatos direto com os consumidores, como a Coca-Cola, porque descobriu que um sistema de distribuição analógico não é mais tão eficiente como se imaginava. Essa urgência abre a possibilidade para que tanto jovens quanto idosos reinventem seus negócios e profissões por meio dos ambientes digitais.

Como se manter criativo e motivado diante de um cenário tão adverso como o atual?

Estamos vivendo uma época de adversidade e medo, e este cenário limita a criatividade, a confiança e a ousadia. Quando sentimos medo, nos tornamos mais conservadores, queremos guardar o que temos. Porém, este é o momento ideal para empreender. Agora é mais barato alugar um escritório ou uma loja para lançar uma marca. É o momento perfeito para contratar bons profissionais por salários menores porque as pessoas estão dispostas a trabalhar ganhando menos por causa da crise. É hora de cultivar uma mentalidade de abundância e criatividade, apostar naquilo que te inspira e transformar esta ideia em algo valioso para a sociedade. Isto é empreender. Em ambientes adversos como o atual, a maioria não consegue visualizar oportunidades por medo ou limitação. Este é outro ponto que favorece quem consegue criar um ambiente de positividade, ousadia, crença e fé.

Como todas essas mudanças devem impactar nas relações?

Estamos diante de uma bifurcação. Existe a possibilidade de criar relações mais humanas, afetuosas e que valorizam as relações familiares e comunitárias. Ou podemos criar uma sociedade menos humana, distante e brutal através de leis, governos e empresas. Empresas que incentivam a competitividade estão incentivando uma sociedade mais distante e marcada por animosidade, diferente daquelas que incentivam a colaboração, o trabalho em equipe, empatia e criatividade. Inclusive estudos globais indicam que estas são as habilidades do futuro.

Além de especialista em inovação, você é referência em paternidade. Como criar as gerações digitais para o futuro?

Para preparar as gerações temos que falar sobre as habilidades do futuro, que passam tanto por conhecimento em tecnologias como habilidades humanas. Precisamos criar pessoas mais humanas, que tenham confiança nos outros, empatia e saibam se comunicar. Tem que falar com clareza e ser entendido, mas também tem que ouvir as nuances do interlocutor. É um grande desafio preparar as novas gerações, porque a escola não está preparada. Temos ambientes educacionais parecidos com indústrias do século passado. Crianças de uniforme e atendendo aos sinais semelhantes a um processo fabril. Esses alunos estão sendo preparados para trabalhar em fábricas, serem mandados, não para serem líderes e trabalhar em equipe. Vemos uma adaptação gradativa e lenta da escola para essas necessidades do mercado de trabalho. Por isso, é essencial que os pais participem para deixar esta geração mais afinada com a modernidade.

Como conciliar carreira, negócios e família?

Desacelerando. Temos a ideia que trabalhar muito é sinônimo de produtividade. Eu discordo. Precisamos trabalhar melhor, selecionar no dia um momento de trabalho focado e profundo. Não é trabalhar bastante que nos torna produtivos, é trabalhar inteligentemente, de maneira focada e certeira. Conciliar carreira, negócio e família é muito simples quando se tem claro no que se é bom e como entregar o máximo de valor à empresa e ao cliente. Os profissionais que têm família precisam deixar claro à empresa que não vão responder e-mails depois das 18h e aos fins de semana. Trabalhe de forma eficiente e produtiva durante o expediente, não o tempo todo.

Qual o conselho para os pais sobrecarregados pelas demandas de trabalho e as rotinas domésticas durante o isolamento?

É muito importante dividir o dia em momentos solitários de produtividade e de interação com a família. Essa produtividade solitária provavelmente será menor que oito horas. Estávamos acostumados a pegar trânsito e ficar no escritório enquanto os filhos estavam na escola. Lá respondíamos e-mails, conversávamos com os colegas, almoçávamos, retornávamos e respondíamos mais e-mails, fazíamos reuniões e às 18h pegávamos o filho na escola e íamos para casa. Certamente o que vivíamos no escritório também não eram oito horas de trabalho. Eram entregas produtivas que alternavam a momentos de relaxamento, conversa e interação. É isso que precisamos ter em casa. Dá para combinar com a família horários exclusivos e solitários, sem interrupção, para entregar o que precisa ser feito e depois ter tempo de afeto, abraço e colo para a família, porque é o que de verdade importa na vida.