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Com que contrato?

Com que contrato?

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O sucesso de uma empresa depende, em boa parte, da mão de obra. Como a rotatividade e os altos encargos tributários, trabalhistas e previdenciários - que acompanham alguns regimes de contratação - pesam na conta,  empresas procuram alternativas aos modelos regulamentados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).   

A aprovação da Reforma Trabalhista - Lei nº 13.467/2017 - instituiu modelos de contrato de trabalho e flexibilizou as relações entre empresa e funcionários, permitindo a negociação entre eles, sem que haja prejuízo ao trabalhador. “A reforma da CLT flexibilizou pontos importantes e regulamentou situações como o teletrabalho, o trabalho intermitente e o contrato temporário por mais de três meses,” comenta o advogado Guilherme Souza, do Escritório GSouza Advocacia, especialista em Direito Empresarial.

Ele explica, por exemplo, que há diferença entre home office e teletrabalho, frequentemente usados como sinônimos. O primeiro caracteriza-se pela transferência temporária do local de trabalho. Neste caso, a jornada em casa não tem diferença da realizada na empresa, assim, não há necessidade de formalização ou alteração do contrato. Já o segundo, por se tratar de uma condição permanente, exige contrato aditivo formalizado. 

“Muitas empresas adotaram o home office devido à pandemia e, neste caso, podem controlar a jornada e, quando necessário, exigir o retorno imediato do funcionário para o presencial. Já o teletrabalho foi regulamentado pela Reforma Trabalhista e tem as condições detalhadas em contrato aditivo. Não há horas extras nem controle da jornada. Também não é possível exigir que o colaborador passe a cumprir a jornada na empresa a qualquer momento. Para mudar esta condição, há prazo mínimo de 15 dias”, exemplifica.   

Para as empresas que, satisfeitas com o resultado do home office, estudam manter o colaborador trabalhando em casa, o advogado alerta para a necessidade de negociação e ajustes no contrato de trabalho para evitar passivos trabalhistas.   

De forma geral, os passivos ainda levam empresas ao fechamento. Para evitar essa problemática, há opções permitidas em lei, entre elas a terceirização e a ‘pejotização’, termo usado para abertura de empresas para mascarar o vínculo empregatício. Neste caso, o serviço é feito de empresa para empresa, com a emissão de notas, mas a subordinação entre colaborador e empresa continua.

Colaborador e sócio

Outro ponto importante na hora de contratar é levar em consideração a cultura organizacional, pretensões e momento da empresa. Dependendo da situação, Souza atenta para o uso de novos mecanismos societários, com destaque para o partnership, por meio do qual oferta-se cotas da empresa aos colaboradores para viabilizar o crescimento do negócio.

“O termo partnership significa parceria e é utilizado pelas empresas para reter talentos sob a promessa de crescimento em conjunto. Nesse modelo, o colaborador se torna sócio e participa dos lucros, assim, não há encargos trabalhistas sobre a folha de pagamento. A forma de remuneração, fixa e variável ou somente variável, é decidida entre as partes”, explica o advogado. 

Quando devidamente assessorados, esses institutos jurídicos são vantajosos, e não apenas para empresas de grande porte. Trata-se de tecnologia jurídica disponível para empresas de todos os tamanhos, desde que não seja usada para fraudar os direitos trabalhistas. 

“Tudo se inicia com o alinhamento de propósitos, valores e cultura. As partes negociam as metas que deverão ser cumpridas pelo colaborador, que podem ser um objetivo de crescimento ou período de trabalho, e quantas cotas serão compradas por um preço pré-determinado após o cumprimento dessas metas, sendo esse acordo feito em contrato, como o vesting e stock options”.

O vesting estabelece o direito do colaborador comprar partes pré-determinadas da empresa após decorrido o período ou as condições estabelecidas. O contrato social precisa ser preparado para que a venda dos direitos não comprometa o andamento da empresa nem a administração da sociedade. 

O advogado indica ainda cláusulas e documentos complementares para uma segurança maior para a empresa, como prazo de carência, acordo de cotistasv para firmar o que se espera do novo sócio e regras de saída, caso a sociedade não dê certo, quando é possível estabelecer a recompra das quotas pelo valor da emissão.     

Já o stock options é direcionado para empresas maiores que querem reter colaboradores-chaves. “Neste modelo é possível direcionar um plano de opção de compra das ações por valores menores dos praticados no mercado, atribuindo vantagem ao colaborador, que passa a investir na própria empresa”. 

Guilherme Souza, da GSouza Advocacia: “empresas que adotaram o home office devido à pandemia podem controlar a jornada e, quando necessário, exigir o retorno imediato do funcionário para o presencial”

Home office temporário

Salas com mesas distantes e restrição de circulação de pessoas. Este é o retrato de muitos ambientes de trabalho desde o início da pandemia, quando milhares de empresas tiveram como única alternativa a adesão ao home office para manter a produtividade. A Ferrari Zagatto, empresa que atua como distribuidora de insumos agrícolas e comercialização de grãos, é uma delas.

Até março do ano passado os 245 colaboradores batiam cartão diariamente nos escritórios das 17 filiais espalhadas pelas regiões noroeste e centro-oeste do Paraná. Mas aí vieram as restrições impostas pelos decretos municipais para conter o avanço de transmissão do coronavírus e o jeito foi se adequar.     

“Por causa da pandemia, a Ferrari Zagatto optou por seguir a MP 927/2020, pensando na saúde dos colaboradores. Trabalhamos durante 2020 com cerca de 70% do quadro de efetivos em casa. Este ano mantemos esta política como forma de proteger os colaboradores”, explica o administrador, Sérgio Antônio Andreussi. 

Sem experiência prévia com home office, a empresa fundada em 1988 precisou se adaptar e modernizar. Segundo o administrador, foi preciso criar ferramentas para estar próximo dos colaboradores e gerenciar a distância a equipe. O maior suporte, é claro, veio da tecnologia. 

Superado o período de adaptação, Andreussi avalia positivamente a experiência, tanto no que diz respeito a interação entre a equipe como a produtividade. O sucesso é atribuído a uma comunicação clara e alinhada, facilitada pelo uso de ferramentas de bate-papo interno. “Felizmente todos se adaptaram às tecnologias. Aprendemos a realizar reuniões online, que são mantidas mesmo pelos colaboradores que estão presenciais, por serem mais rápidas, dinâmicas e seguras frente ao enfrentamento da covid-19”.

O processo de transferência do ambiente de trabalho para o lar dos colaboradores teve acompanhamento do setor jurídico e de escritório de advocacia trabalhista para evitar passivos. E apesar dos bons resultados, o home office é temporário. A intenção é que os colaboradores voltem a bater ponto na empresa assim que possível.   

“A Ferrari Zagatto trabalha com o modelo CLT desde o início. Foi assertivo para as demandas naquele momento e continua sendo. Seguimos a legislação trabalhista, que evoluiu, no entanto, tem espaço para ser modernizada. Nosso desafio é colaborar com os profissionais no sentido de tornarem-se mais autônomos e empreendedores”, conclui.

Sérgio Antônio Andreussi, da Ferrari Zagatto: 70% dos colaboradores continuam trabalhando em casa, mas intenção é que eles voltem para os escritórios assim que possível

Regime celetista

Na Elotech, o regime CLT predomina e em breve deve ser o único. Atualmente alguns dos cerca de 170 colaboradores são contratados pelo modelo de Pessoa Jurídica (PJ), mas a intenção da empresa de tecnologia da informação é migrar todos para o regime celetista. “Estamos migrando por segurança jurídica”, justifica Marco Aurélio Castaldo Andrade, líder de desenvolvimento e sócio-diretor da Elotech Gestão Pública, acrescentando que a empresa segue rigorosamente as normas previstas na CLT para evitar passivos trabalhistas. 

Isso não significa que a Elotech está fechada para inovações sobre formas de trabalho e organização da equipe. Pelo contrário. No ano passado aderiu ao home office e mantém um modelo híbrido permitindo que parte da jornada seja cumprida presencialmente e a outra em casa.    

“Na época enviamos todos para o home office e adotamos o modelo híbrido. Hoje os colaboradores podem escolher entre o híbrido ou 100% home office, de acordo com a vontade e a disponibilidade da vaga”, explica Andrade. 

Diante do cenário ainda de restrições, 80% dos colaboradores trabalham em casa. Os que estão presencialmente são basicamente das áreas de recursos humanos e administrativo. Os técnicos da área de suporte ao cliente se revezam, alternando trabalho presencial e home office. Já os desenvolvedores vão à empresa esporadicamente. “A equipe de desenvolvedores adaptou-se ao modelo remoto e tem preferido esse formato”, diz o líder. 

Essa adaptação foi facilitada pelos investimentos feitos pela Elotech, que incluíram a aquisição de mobiliários e equipamentos para o home office e inovações em processos, como a assinatura digital para envio de documentos. Outra preocupação foi fazer a adequação nos contratos de trabalho.

O resultado do home office é avaliado positivamente, mas houve desafios. Em um primeiro momento, a produtividade aumentou, mas estabilizou após cinco meses. Segundo Andrade, os colaboradores seniores tiveram mais facilidade do que os juniores em fazer a gestão do tempo longe dos olhos dos gestores.  “O desafio para nossas lideranças foi encontrar maneiras de manter os times engajados e conectados”.  

E logo outros desafios virão. O líder de desenvolvimento prevê mais autonomia do profissional para direcionar a carreira. “A empresa terá que se reinventar de tempos em tempos para tornar-se atraente aos melhores e oferecer as condições ideais para o desenvolvimento. Se antes a empresa pagava um salário em troca da mão de obra, agora deverá oferecer vantagens como a rápida evolução profissional”. 

Na Elotech poucos colaboradores de um total de 170 são contratados como prestadores de serviço, mas empresa vai migrar para o regime celetista, para segurança jurídica, explica o sócio Marco Aurélio Andrade

Crescendo juntos

Na SVN Investimentos, os assessores de investimentos ocupam posição de donos do negócio, já que o modelo de negócio é pelo regime de sócio cotista. A escolha atende a uma previsão legal. “Por legislação específica, os assessores só podem atuar sendo sócios de um escritório do gênero, que deve estar vinculado a uma corretora, e no nosso caso é a XP”, explica o diretor de Capital Humano, João Paulo Silva Jr.

Há 14 anos no mercado, a SVN Investimentos conta com 265 colaboradores, atuando na sede em Maringá e nos escritórios em São Paulo, Londrina, Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Goiânia e Campo Grande. O crescimento é impulsionado pelo modelo de sociedade e consequente engajamento dos colaboradores. 

“Um dos maiores desafios de qualquer organização é a retenção de talentos. O partnership é uma forma de ampliar o nível de comprometimento com a organização, afinal dá a possibilidade de se tornar um empreendedor e crescer sem os limites que o salário CLT implica”, justifica o diretor. 

O ingresso na empresa se dá com uma participação pequena. Do contrário, o investimento financeiro poderia ser uma barreira. Com o tempo, abre-se a possibilidade de compra de cotas adicionais. E com a vantagem de compra por um valuation interno para precificar as cotas. Ou seja, por valor inferior ao de mercado. “Isso indica que a empresa tem como propósito que as pessoas cresçam junto. Afinal, os sócios principais vendem sua participação a preços inferiores que receberiam do mercado”, diz o diretor.

Os critérios do partnership são definidos pela empresa e devem possibilitar o acesso de todos os colaboradores. Outro requisito é que sejam eficientes para não comprometer a sociedade com a entrada de pessoas que não compartilhem dos propósitos. “Um ‘inchaço’ pode se traduzir em dificuldades de gestão e falta de comprometimento, indo no caminho contrário do esperado. O acordo de sócios deve ser claro e cuidadoso, mas permitir critérios subjetivos aceitáveis e aplicáveis”, alerta. 

O diretor enaltece o modelo, mas alerta para a limitação do perfil profissional. “Há quem prefira a falsa segurança que um contrato CLT traz. Digo falsa porque a decisão de manter ou não alguém é da empresa. Em qualquer momento essa relação de trabalho pode terminar. No modelo de sociedade isso não segue a mesma lógica. A decisão é muito mais do profissional. Esse ganho sobre a direção dos próprios rumos é excepcional”, conclui o diretor.

“O partnership é uma forma de ampliar o nível de comprometimento, afinal dá a possibilidade de se tornar um empreendedor e crescer sem os limites que o salário CLT implica”, diz João Paulo Silva Jr., da SVN Investimentos

Diversidade e igualdade 

Entre os mais de 1,5 mil colaboradores da Sicredi União PR/SP há jovens aprendizes, estagiários, terceirizados, celetistas e estatutários. Cada modelo de contratação atende às particularidades do cargo ocupado e de acordo com a possibilidade da legislação trabalhista. 

Os jovens aprendizes e estagiários representam 2% do quadro de colaboradores. Eles ocupam os cargos iniciais, estão entrando no mercado de trabalho em busca de experiência e desenvolvimento profissional.

Maioria, os celetistas somam 84% e estão espalhados pela cooperativa ocupando cargos intermediários, que requerem experiência anterior, conhecimento técnico e formação acadêmica.

Por outro lado, os estatutários são minoria, menos de 1%. O seleto grupo é formado por membros da diretoria e conselhos que têm poder de decisão nas estratégias. “Desde a fundação, a cooperativa adota o regime estatutário para os cargos de mais responsabilidade até por conta do modelo de negócio”, diz o gerente de Gente e Cultura, Julio Trindade.

Os 13% restantes são terceirizados e integram a chamada equipe de apoio, formada por profissionais de vigilância, limpeza e copa. Os vínculos contratuais podem até ser diferentes, mas o tratamento e o respeito são os mesmos, sem nenhuma distinção. “As práticas de cuidado com as pessoas são aplicadas a todos, tanto em datas comemorativas e festivas quanto em ações de vacinação, por exemplo. No aniversário todos recebem um presente, independente da modalidade de contratação”, ressalta o gerente.

Não menor é o compromisso em garantir os direitos trabalhistas de acordo com a legislação da modalidade de contratação. No que diz respeito às leis vigentes, a Sicredi União PR/SP investe tanto na capacitação dos gestores quanto na orientação dos colaboradores. “O respeito e o cuidado sobre este e demais temas são contínuos porque fazem parte do nosso DNA”, enaltece Trindade.

Essa preocupação ficou evidente na pandemia quando a cooperativa adotou o home office. Para tanto, disponibilizou equipamentos e ferramentas de trabalho, inclusive cadeiras e descanso de pés, e orientações frequentes sobre cuidados de prevenção. “Não foi necessário reduzir jornada ou remuneração. Revisamos e adequamos processos a fim de preservar os empregos”. Com 50% da sede ainda em home office, além de colaboradores de agências, gestantes e casos pontuais, a cooperativa estuda manter o modelo de trabalho após a pandemia. “Não descartamos a possibilidade de que algumas funções possam continuar em formato híbrido, por exemplo 15 dias de home office e 15 dias na sede”, finaliza.

Sicredi União PR/SP adota diversos modelos de contratação: jovens aprendizes, registro em carteira, estatutários e terceirizados: o tratamento e o respeito são os mesmos, sem distinção, conta o gerente Julio Trindade