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Negociar contratos é saída para IGP-M ‘fora da curva’

Negociar contratos é saída para IGP-M ‘fora da curva’

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Mais utilizado pelo mercado em geral como referência para reajustes de contratos, o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), disparou no último ano, acumulando alta histórica de mais de 30% até abril. A variação ligou o alerta do mercado e dos consumidores, tendo gerado um forte movimento na busca por renegociações de contratos. 

De acordo com a advogada Kelly Cristina de Souza, da advocacia e consultoria Redmerski e Souza, o cálculo do IGP-M, assim como o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), leva em conta a variação de preços de bens e serviços, bem como de matérias-primas da produção agrícola, industrial e construção civil. O IGP-M é composto 60% pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), 30% pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e 10% pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC). Ela explica que o aumento do IPA, que representa a maior parte da formação do IGP-M, está atrelado, dentre outros fatores, principalmente à alta do preço das commodities ligadas às áreas industriais e agrícolas, cotadas em dólar.

Esse aumento onerou de forma geral os contratos, mas conforme Kelly, eles podem ser reajustados. “A negociação é uma alternativa viável e até imprescindível para a superação da crise econômico-financeira por muitas empresas que tiveram seu faturamento sensivelmente afetado durante a pandemia. E também por pessoas físicas que perderam o emprego ou tiveram considerável redução salarial”, frisa. 

De acordo com Kelly, a negociação pode ser feita de forma extrajudicial, seja por mediação, por conciliação ou simples trocas de e-mail. Somente se as partes não chegarem a um acordo amigável é preciso propor demanda judicial. “Trata-se de uma medida excepcional que pode ser utilizada para buscar o restabelecimento do equilíbrio econômico do contrato, afetado por evento extraordinário e imprevisível, que tornou a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, como prevê o Código Civil”, observa.

 Com relação às possibilidades, a advogada exemplifica que fez recentemente uma negociação extrajudicial em que foi utilizado para atualização do contrato de locação o menor índice legal de reajuste fixado pelo Governo Federal. Em outro caso, ela explica que ficou convencionado que por ocasião do reajuste seria utilizado o mix de índices dos últimos doze meses, discutidos entre as partes, desconsiderados os indicadores negativos.

Kelly explica que em caso de consenso quanto ao indexador, é possível realizar aditivo ao contrato original com as novas cláusulas. E a alteração quanto aos anos seguintes também pode fazer parte da negociação, já que os índices de reajuste sofrem variação constante e imprevisível. “Da mesma forma como ocorreu com o IGP-M que sofreu essa variação expressiva, no ano seguinte ele pode ficar bem abaixo e mantê-lo torna-se mais vantajoso”, diz.

A advogada Kelly Cristina de Souza diz que a mudança de índice pode ser feita de forma extrajudicial, seja por mediação, por conciliação ou trocas de e-mail

Imóveis

No mercado imobiliário, a alta do IGP-M, conhecido como ‘inflação do aluguel’, fez o preço dos aluguéis subir acima do habitual. Para contornar a situação, o caminho para alguns locatários tem sido procurar imóveis mais em conta ou negociar com as imobiliárias e proprietários. 

O sócio da Silvio Iwata, Silvinho Iwata, explica que embora seja padrão do mercado utilizar o IGP-M nas cláusulas de reajuste, os índices ou condições podem ser redefinidos pelas partes. “Estamos reajustando contratos que foram assinados há um ano. Para a negociação, é preciso que o contrato tenha feito um aniversário”, diz. 

Para Iwata, a alta do IGP-M, e consequentemente do aluguel líquido, é prejudicial tanto para locatários quanto para locadores. Para locadores, porque o preço do aluguel subiu significativamente e foi preciso colocar a mão no bolso. Para os donos de imóveis, porque esse avanço pode significar perda na renda, já que o preço acima do que é praticado pelo mercado força a desocupação.

Na prática, o investidor pode repassar todo o percentual do índice, mas considerando o momento econômico e outros fatores relacionados à rentabilidade, vale a pena negociar. Se o imóvel desocupar, além de deixar de receber sobre o investimento, os proprietários precisam arcar com o valor do condomínio em caso de apartamentos e outras despesas. “Mesmo que alugue depois com valor mais alto, se o proprietário calcular o tempo de imóvel vazio, verá que a rentabilidade será menor na conta do ano. Por isso, é recomendável negociar pensando no longo prazo”, recomenda. 

As negociações intermediadas pela imobiliária são para que as partes cheguem a um bom termo. Como a tratativa é de longo prazo, o diretor orienta a evitar atritos no momento da negociação. Para favorecer o relacionamento, um dos cuidados da imobiliária é estabelecer regras claras e deixar as partes cientes do acordado. 

O cenário de insegurança também afeta as negociações. Ele diz que por estabelecer vínculos de longo prazo, o mercado imobiliário precisa ter a segurança jurídica do negócio, e um cenário em que os índices se modificam em uma escala maior do que era comum gera instabilidade.

“Para a negociação, é preciso que o contrato tenha feito um aniversário”, comenta Silvinho Iwata, da Silvio Iwata

Prestação de serviços

Na ABS Segurança, que oferece soluções em segurança há mais de 18 anos em Maringá, os contratos de prestação de serviço são reajustados segundo o IGP-M. O gestor Rafael Mendes explica que no ano passado, com o início da pandemia e as incertezas do mercado, a empresa optou por não repassar a variação aos contratos, mesmo o IGP-M de 2019 tendo acumulado alta de 6,68%. Já para este ano com o aumento atípico do índice, não foi possível segurar. 

Para manter os contratos e facilitar a manutenção dos serviços para os clientes, a empresa optou por antecipar o contato com a carteira informando sobre a alta e se colocando à disposição para renegociar – as conversas foram realizadas no final de maio. 

“Se só mandássemos a fatura com o reajuste integral, poderíamos ter problemas. Então, ligamos para todos os clientes, nos colocamos como parceiros, nos preocupando em negociar, conversar. Essa abordagem funcionou”, conta Mendes.

Nenhum cliente solicitou a troca do índice, já que a empresa propôs mudanças flexibilizando os valores dos serviços prestados. Para o reajuste, a empresa utiliza como base a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), levando em consideração o percentual de reajuste de salário da categoria acordado entre os sindicatos patronal e o laboral, não havendo necessidade de fazer novo contrato, somente aditivo.

Rafael Mendes, da ABS Segurança, tem renegociado os contratos com os clientes e usado a convenção coletiva da categoria como balizadora

Índices mais praticados no mercado

- IGP (Índice Geral de Preços): existem dois tipos. O primeiro é o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), criado com o objetivo de ser um indicador confiável para as operações financeiras, especialmente as de longo prazo. O segundo é o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna), criado com o objetivo de balizar o comportamento de preços em geral na economia

- INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor): mede a variação de preços para o consumidor na economia brasileira. É comumente utilizado para reajuste dos salários dos trabalhadores 

- IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo): considerado índice de inflação oficial do Brasil 

- INCC (Índice Nacional da Construção Civil): utilizado para reajustar as parcelas dos contratos de compras de imóveis em fase de construção

Fonte: Advogada Kelly Cristina de Souza, da advocacia e consultoria Redmerski e Souza