Depois que uma pesquisa apontou que os colaboradores preferiam o trabalho remoto, a Tecnospeed adotou o modelo de forma permanente, mas alugou uma casa para reuniões e apoio, conta o diretor Erike Almeida
O crescimento do home office durante a pandemia impôs paralelos à relação entre empregadores e trabalhadores, quando as empresas tiveram que se adaptar aos novos modelos de trabalho. Também foi uma oportunidade para investir em estratégias para cuidar da saúde dos colaboradores e precauções para enfrentar possíveis novas paralisações.
Depois de ter implantando o home office em 2020, quando a pandemia forçou a parada praticamente geral das empresas, a Tecnospeed adotou o modelo de forma permanente que baseado numa pesquisa realizada junto às equipes revelou que quase todos os colaboradores estavam satisfeitos com a forma de trabalho e não desejavam voltar ao presencial. “Resolvemos que não teríamos mais o escritório presencial e assumimos de vez o modelo remoto. Hoje estamos com uma equipe de 210 pessoas, de várias cidades do Brasil”, conta o diretor executivo, Erike Almeida.
Ele explica que desde que a empresa foi para home office, os novos contratos passaram a prever o modelo remoto. Inicialmente os que estavam no presencial foram para casa sob as condições previstas na medida provisória que simplificava o home office, mas tais contratos estão sendo alterados.
Em prol dos trabalhadores e da produtividade, a empresa oferece ajuda de custo, que, inicialmente, constava como remuneração para os empregados. “Depois vimos que, juridicamente, tratava-se de um benefício não tributável. O benefício foi concedido para ajudar a pagar energia elétrica, café, entre outros. Os colaboradores utilizam os equipamentos da empresa, não usam nada pessoal, até por questão de segurança”, comenta. O vale-alimentação foi mantido conforme previsto em convenção coletiva e o apoio psicológico passou a ser oferecido.
A empresa ainda usa ponto eletrônico, mas cada colaborador pode definir o horário de entrada e saída, desde que cumpra 40 horas semanais. “Até o momento, a produtividade, a qualidade dos serviços e a satisfação dos funcionários melhoraram”, afirma.
O executivo ressalta que praticamente tudo é feito a distância, com exceção de uma tratativa com bancos, mas a empresa notou a necessidade de um ponto físico. Para eventos, reuniões e apoio aos funcionários, uma casa foi alugada e a empresa pretende construir um coworking para permitir o contato físico e interação social entre os colaboradores.
Tudo documentado
A advogada e professora de Direito do Centro Universitário UniFCV, Luciana Fante, explica que há o teletrabalho e o home office. No teletrabalho, a execução do serviço é definida no ato da contratação do trabalhador e há a prestação de serviços fora da empresa, com a utilização obrigatória de tecnologias de informação e de comunicação. Já o home office é uma extensão da empresa para a casa, sem alteração das condições de trabalho. A principal diferença é que o teletrabalho tem previsão específica na legislação, além de no contrato estarem estabelecidas as responsabilidades sobre os equipamentos. Enquanto aos contratados de trabalho executados em home office aplica-se extensivamente o artigo 6º da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) - em decorrência da pandemia, a Medida Provisória 927/2020 tratou especificamente do tema. Nas duas modalidades, os equipamentos fornecidos pelo empregador não podem ser considerados remuneração.
Luciana Fante, advogada e professora da UniFCV: se o excesso de demanda modificar a despesa, a empresa tem que suportar esses valores
No home office pode haver acordo para o custeio de despesas, sendo recomendável um aditivo ao contrato. “Nos dois tipos, se o excesso dessa demanda modificar a despesa, a empresa tem que suportar esses valores”, diz a advogada. “O que as empresas precisam ficar atentas é quanto a documentar os acordos juntos aos sindicatos, cumprindo as convenções coletivas das categorias. As negociações, conforme as necessidades, devem ser feitas com os sindicatos”, pontua.
O controle da jornada e fiscalização do ambiente costumam gerar dúvidas: no teletrabalho o empregador precisa garantir condições seguras e saudáveis, podendo agendar com o trabalhador horário para a fiscalização do ambiente.
A advogada explica que o tema do controle de jornada não é pacífico, mas há possibilidades. O empregador pode fazer o acompanhamento por meio de softwares que registram o ponto a distância ou pode considerar apenas a entrega de tarefas conforme prazos estabelecidos, independente do horário de entrada ou saída.
De modo geral, é preciso tomar cuidado com os horários de envio de mensagens e pedidos. Isso porque se ocorrer de forma habitual para além do horário de trabalho combinado ou se levar o colaborador a exceder a carga de trabalho, há geração de horas extras.
Atenção aos trabalhadores
O diretor da Gomes Contabilidade e Consultoria, Rômulo Cortez Gomes Ferreira, frisa que o colaborador em trabalho remoto tem os mesmos direitos dos presenciais, com exceção do vale-transporte, que pode ser suspenso pela empresa. Os demais benefícios, entretanto, desde que regulamentados em convenção, continuam valendo, como vale-refeição ou alimentação. Férias, 13º salário, FGTS mais 40% e licenças são os mesmos para quem trabalha presencial ou em casa.
“Contrato de prestação de serviço e documentos corriqueiros podem ser assinados online”, diz Rômulo Cortez Ferreira, da Gomes Contabilidade; no caso de demissão, a recomendação é fazer presencialmente
Para funções que precisam ser exercidas presencialmente, a exemplo de limpeza, Ferreira recomenda a prática de horários alternativos para proteger os trabalhadores, sendo que cabe às empresas fornecer materiais de proteção. Ele explica que as empresas precisam criar ambientes seguros para o colaborador trabalhar presencialmente ou em casa, colocando em termo a responsabilidade de cada parte.
Para as empresas que enviaram as equipes para casa, uma recomendação é dar ênfase à ergonomia. “Embora não esteja claro o que é obrigatório, é recomendável que a empresa favoreça a ergonomia, que melhora o bem-estar do trabalhador e favorece a produtividade”, comenta – em casos de acidente de trabalho, cada caso é analisado isoladamente.
Com relação à parte burocrática, Rômulo diz que passaram a existir mais possibilidades de assinaturas online. “Existem plataformas de assinaturas online, e a maioria das instituições aceita, seja por certificado ou autenticação digital. Contrato de prestação de serviço e documentos corriqueiros, tudo pode ser assinado online. Só há órgãos específicos, geralmente do estado, que ainda exigem assinaturas presenciais”, explica. Outras situações em que se recomenda a forma presencial são desligamentos de trabalhadores, mas é possível realizar demissões de forma online.
Precaução
Quando a administradora de condomínios Condomini retomou o trabalho presencial, todos os equipamentos que tinham sido levados pelos 10 colaboradores para casa voltaram para a empresa. Lá a rotina de higienização foi intensificada, funcionários passaram a usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) e o distanciamento passou a ser praticado. “Quando foi determinado o fechamento do comércio, fomos direto para o home office, mas foi preciso realizar tarefas presenciais, como a entrega de malotes, tudo feito com segurança. Usamos muito o WhatsApp para nos comunicar, senão não teríamos como trabalhar”, lembra a sócia Cleide Aparecida Pereira.
“Como fazemos visitas e temos atribuições que exigem presença no atendimento ao cliente, decidimos retornar ao trabalho presencial, mesmo que o home office tenha sido produtivo”, diz Cleide Pereira, da Condomini
A empresária diz que o período foi produtivo e o diálogo bastou para garantir que todos realizassem as entregas combinadas. “Como fazemos visitas e temos atribuições que exigem presença no atendimento direto ao cliente, decidimos retornar, mesmo que o home office tenha sido produtivo. O retorno foi gradativo.”
Por conta da experiência em 2020, Cleide diz que se houver necessidade de nova paralisação, a empresa está preparada. “O que sempre fazemos é dar abertura para que os funcionários possam opinar ou fazer críticas.”