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“É minha obrigação dar um bom destino à cooperativa”

“É minha obrigação dar um bom destino à cooperativa”

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Um grande problema é que os líderes do cooperativismo são mais ou menos idosos. Se o presidente morresse, era uma encrenca, porque não tinha quem assumisse, era preciso fazer uma nova eleição e até lá a empresa pararia

Em 2014 Luiz Lourenço deixou a função de presidente-executivo e assumiu a presidência do Conselho de Administração da Cocamar. Mesmo dispensado das obrigações diárias de gestão do antigo cargo, ele continua ‘batendo ponto’ na cooperativa. “Tenho liberdade, chego a hora que quero, mas como é um hábito de 50 anos não consigo deixar de vir”, diz.

Ao longo das cinco décadas, Lourenço passou por vários cargos até assumir a presidência executiva, no final da década de 80. Deixou importantes legados para os cerca de 16,5 mil produtores cooperados espalhados pelo Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. 

Sob a gestão dele, a Cocamar implantou um dos maiores parques industriais cooperativos brasileiros e encampou práticas conservacionistas do solo, como a Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). “Em 1997 começamos esse trabalho e me tornei conhecido por causa disso. Faço várias palestras sobre o tema pelo Brasil”, orgulha-se.

Também comandou uma profunda reestruturação administrativa e financeira que, na opinião dele, abriu caminho para a Cocamar chegar à condição de melhor cooperativa agropecuária do país em 2021, segundo a Revista IstoÉ. 

Referência em cooperativismo e no agronegócio brasileiro, Lourenço é diretor da Ocepar e presidente da Rede ILPF. Pela trajetória, recebeu vários prêmios e títulos de cidadão benemérito, e foi agraciado, em junho, com a comenda Américo Marques Dias, da ACIM:

Como foi sua trajetória na cooperativa até chegar à presidência executiva?

A empresa que eu trabalhava fechou no final de 1971 e logo depois recebi o convite para trabalhar na Cocamar. Entrei na cooperativa em 1° de janeiro de 1972 como auxiliar na área operacional. Passado um tempo abriu uma vaga de gerente-geral e acabei assumindo. Em seguida, me envolvi com a comercialização internacional e cotação de soja. Naquela época havia dificuldade para saber o preço internacional e trazê-lo para o interior. Ninguém conseguia calcular, acabei resolvendo essa questão e me tornei gerente de comercialização. Em 1979 fui convidado para ser diretor. Permaneci na área comercial bastante tempo, minha expertise da cooperativa veio dessa área. Depois virei diretor industrial e, passado mais um tempo, houve uma cisão na diretoria e acabei me candidatando à presidência. Ganhei a eleição em 1989 e assumi como executivo principal. Em 2014 fizemos uma modificação importante. A Cocamar é uma empresa complexa, que dava muito trabalho. Estava completando 40 anos de casa e já estava um pouco cansado e sem ritmo. Então decidimos mudar a diretoria executiva. Antes o presidente era eleito pelos cooperados. Agora é o Conselho de Administração quem contrata o presidente. O Didi [Divanir Higino] e o Zico [José Cícero Aderaldo] são diretores executivos contratados pelo conselho. Com isso, me afastei da execução diária e passei a me dedicar ao Conselho de Administração. 

Considera a reforma administrativa um marco da gestão? 

Com certeza. A Cocamar foi a primeira cooperativa que profissionalizou a gestão. Agora outras estão adotando o modelo. Um grande problema é que os líderes do cooperativismo são mais ou menos idosos, e da forma como era a sucessão era muito difícil. Se o presidente morresse, era uma encrenca, porque não tinha quem assumisse, era preciso fazer uma nova eleição e até lá a empresa pararia. Esse modelo de gestão profissional, que é adotado por multinacionais e bancos, resolve isso porque conta com um conselho de administração forte e executivos de base. 

Quais outras ações marcaram sua gestão? 

Quando assumi como presidente ganhei um tremendo problema. A Cocamar era uma empresa inchada, com 4,2 mil funcionários, e sem foco. O meu desafio foi mandar gente embora entre 1991 e 1992. Reduzimos o quadro de funcionários para 1,8 mil. Logo em seguida veio o Plano Real [do governo federal] e aí enfrentamos uma situação econômica muito grave. Os preços foram congelados, houve disparidade entre o custo e a receita, passamos por dificuldades financeiras. Diante disso acredito que o que fiz de melhor foi reestruturar financeiramente a cooperativa. Deu um trabalho enorme, foram muitos cortes. Gostaria de estar naquela situação? Claro que não. Mas é aquela história: ‘um covarde sem alternativa acaba virando herói’. Precisei enfrentar a situação porque tinha a responsabilidade de gerir a cooperativa e acabamos fazendo uma grande renegociação. Levou tempo para colocar tudo em ordem, mas hoje temos uma cooperativa robusta. 

Erros fazem parte da trajetória. Se lembra de algum erro ou algo que poderia ter feito diferente? 

Trabalhávamos com seda e fizemos um grande investimento na área. Infelizmente, ao longo do tempo, por razões internacionais e de mercado, a seda praticamente desapareceu. Eram 13 empresas no Brasil e elas viraram uma. Os preços desabaram e até hoje temos uma estrutura física grandiosa parada porque o negócio não deu certo. Teve outro negócio, mas neste tivemos mais sorte porque conseguimos vender. Era uma usina de cana-de-açúcar que não compensava manter porque tínhamos que arrendar a terra do agricultor para plantar, quando o certo era ele plantar e entregar a cana para nós. Decidimos sair do negócio e corrigimos o erro com a venda da usina. Quando se tem 16 mil cooperados e uma estrutura que atende 600 deles, como era o caso da usina, é descabido manter o investimento. Também iniciamos um projeto de laranja em Paranavaí, em parceria com o estado. O negócio não deu certo e tivemos que sair da atividade.

Em 2021 a Cocamar foi eleita a melhor cooperativa agropecuária do país pela Revista IstoÉ e referência de eficiência em gestão. A que o senhor atribuiu o sucesso?

É fruto da profissionalização da gestão, termos colocado profissionais para gerir a empresa. Na verdade, profissionais que eram funcionários e foram promovidos a gestores. Até então eles estavam sob a minha supervisão. Hoje a gestão cabe a eles e dou palpites. A mudança estrutural que fizemos para profissionalizar a gestão foi um ponto de conversão. Uma cooperativa também tem que estar ligada à comunidade, fazer benevolência, resolver problemas comunitários, apoiar e incentivar trabalhos sociais. 

Como o cooperativismo se diferencia de outros modelos de negócios privados?

Cooperativas e empresas privadas são completamente distintas. Em primeiro lugar, quando uma empresa ganha dinheiro, este dinheiro vai para o bolso dos sócios. Quando uma cooperativa ganha dinheiro, parte fica em fundos para desenvolver a cooperativa e a outra vai para o bolso do cooperado. Outro diferencial é que nenhuma empresa do porte da nossa, multinacional ou não, tem agrônomo. Tem vendedor de insumo, mas não tem agrônomo para ajudar o produtor a decidir o que, quando e como plantar. Ou seja, não transfere tecnologia. Já nós pegamos as melhores tecnologias do mercado, juntamos em um dia de campo e transferimos para o cooperado. É o mais nobre trabalho que fazemos: transferir conhecimento ao produtor para que ele evolua. Também transferimos informações de mercado, comportamento, câmbio e economia. É como se fosse uma família, é assim que tratamos os cooperados. Uma cooperativa nunca deixa de ter preço num produto, já as empresas, por conveniência do momento, tiram o produto do mercado. Trabalhamos sempre com transparência. O Paraná é a meca do cooperativismo no Brasil, porque lidamos com pequenos produtores. O grande produtor não precisa da cooperativa, tem condições de ir ao mercado fazer compras e negociar sua produção. Já o pequeno produtor é dependente de uma estrutura como a nossa para crescer. Dá para entender a cooperativa como um grupo de pessoas que se unem para formar uma grande fazenda. Isto muda o olhar do vendedor de insumo e do comprador porque ele não está olhando para o produtor pequenininho, mas para uma fazenda. 

Qual é o futuro do cooperativismo? 

A previsão é de crescimento constante. Recebemos recentemente a visita do vice-governador do Mato Grosso [Otaviano Piveta], um grande produtor de soja, e ele veio dizer que a Cocamar precisa ir para lá porque os pequenos produtores não estão sendo assistidos. As multinacionais atendem os grandes e deixam os pequenos de lado. Veja bem, o estado que é o maior produtor de grãos está à procura de uma cooperativa para ajudar os pequenos produtores. E estamos inclinados a pensar nisso. O sistema cooperativista do Paraná é altamente respeitado e reconhecido, principalmente no governo federal. Somos frequentemente chamados para discutir questões nacionais. 

E o futuro da Cocamar?

Vejo a Cocamar crescendo. Nosso foco hoje é basicamente horizontal, espalhar um pouco as raízes para reduzir riscos. Tivemos uma quebra de safra de milho no ano passado e uma quebra de soja este ano, quebras grandes. Se estivéssemos só em Maringá, iríamos sofrer muito. Como estamos em outras cidades e estados, conseguimos equilibrar. Quanto mais crescermos na horizontal, menores serão as oscilações de movimentação. 

Quando analisa a trajetória, qual é o seu sentimento? 

Fui exitoso na empresa que trabalhei antes da Cocamar. Entrei como office boy e virei gerente em seis anos. Aqui fui honrado com um cargo e agora uma posição que jamais imaginaria porque minha educação formal não foi boa. Na adolescência, morava na roça e pedalava 13 quilômetros para chegar na escola. Quando chovia, vinha de burro. Quando terminei o ginásio fiz o curso de contabilidade. Na época não tinham tantas opções como hoje. Já trabalhando e casado cursei Direito. Eram tempos difíceis. 

Considera-se um homem realizado?

O meu desejo, a minha preocupação atual, é o encaminhamento da sucessão que estou fazendo. Tenho dois excelentes gestores e num determinado momento precisarei deixar o Conselho de Administração. Esta será uma hora chave para mim, se conseguir fazer a engrenagem funcionar, estarei liberado da Cocamar. É a minha vida, é minha obrigação dar um bom destino à cooperativa porque ela é útil às pessoas.  

Considerando a sua galeria de prêmios, qual o sentimento de receber a comenda Américo Marques Dias?

Fico preocupado porque geralmente esse tipo de prêmio é para quem já está se aposentando, e ainda não estou (risos). É uma honraria, ainda mais por ser aqui. Não nasci em Maringá, mas sou maringaense de coração. Faço propaganda da cidade em todas as palestras, falo que é a mais bonita do Brasil.