Artigos

O que querem os consumidores?

O que querem os consumidores?

867
visualizações

Nos últimos dois anos o consumidor foi forçado a novos hábitos diante da ameaça do coronavírus. O isolamento social  trouxe uma ruptura abrupta na sociedade e, como consequência, mudanças de padrões de consumo tiveram forte aceleração.

A digitalização dos negócios e a intensificação do uso de canais digitais de interação com os consumidores são exemplos de tendências aceleradas. “O fato é que fomos obrigados a nos tornar pessoas e empresas mais digitais do que antes”, avalia o consultor e professor da Fundação Dom Cabral, Flavio Nusbaum. 

Lidar com a velocidade dessa dinâmica e interpretar as novas demandas dos consumidores se tornaram imperativos para os negócios. Até porque os hábitos que emergiram com a pandemia parecem condicionar às expectativas de consumo. “As empresas que conseguiram acelerar e/ou migrar seus negócios para o digital estão tendo resultados melhores do que as que não foram capazes de ajustar seus modelos de negócios, gestão, logística e operação”, comenta Nusbaum.


Era digital 

O comércio eletrônico foi a saída mais segura – quando não a única - para abastecer a casa e saciar os desejos consumistas durante os meses de restrições de circulação. Até os resistentes renderam-se à comodidade das compras pela internet e o que era tendência tornou-se consolidado. 

Segundo relatório da Webshoppers, mais de 7,3 milhões de brasileiros fizeram a primeira compra online durante a pandemia e descobriram a praticidade e a segurança do universo virtual. Algo do qual não devem abrir mão, seja para adquirir produtos ou contratar serviços. “Esse é um comportamento que deve permanecer, já que muita gente se acostumou à comodidade e praticidade de receber o que precisa no conforto do lar. As compras online chegaram para ficar e passam a ter um papel importante no consumo”, afirma o gerente de Marketing e Parcerias da Anymarket, Pierre Baptista – a Anymarket é um integrador de marketplaces.


Pierre Baptista, da Anymarket: há grande movimentação das empresas para a otimização logística em função da exigência do cliente em pagar menos, ou nada, e receber rápido o produto

Só que além de mais digitais, os consumidores estão mais exigentes. Segundo Baptista, eles atuam em multicanais e querem a mesma qualidade de atendimento tanto no físico como no digital. “Os lojistas precisam ouvir e entender a demanda dos consumidores e descobrir como se diferenciar no mercado para propor experiências válidas e que tragam fidelização”. 

Embora o novo consumidor valorize a identificação e a representatividade das marcas, condições diferenciadas e especiais pesam na hora de fechar a compra. Pesquisa do Webshoppers mostra que 42% utilizam o frete grátis como fator decisório na compra. “Percebemos uma grande movimentação das empresas para a otimização logística, muito em função da exigência do cliente em pagar menos, ou nada, e receber rápido o produto”, pontua o gerente da Anymarket. 

Não menos importante é a experiência no processo de compra online. E aí entram a criatividade e a inovação. Checkout inteligente, inteligência artificial para recomendação de produtos e comparador de preços são algumas ferramentas para influenciar e otimizar a decisão de compra. “Uma marca que possui estratégia de Customer Centric tem muito mais chances de se aproximar de uma recorrência de compra e até fidelização do público”, assegura Baptista.  


Canais e comportamentos 

De site próprio a marketplaces, passando por redes sociais e WhatsApp, são muitas as opções de canais digitais para compras, e essa diversidade é fundamental considerando que cada um tem particularidades e público-alvo. 

Essa diversidade também se estende ao tempo de navegação e tomada de decisão. Dependendo da necessidade e interesse do consumidor, o processo pode levar horas, dias e até semanas. Em média, são sete dias de visitação ao site ou aplicativo até a escolha e fechamento do negócio, mas há situações em que esse período leva de 24 a 48 horas. “A taxa de conversão média de mercado de um e-commerce no mês é de 1,5%, ou seja, 98,5% dos usuários que chegam ao e-commerce não realizam a compra, mostrando que possuem um comportamento de buscas, pesquisas e comparações antes de comprar”, diz Baptista.


Econômicos e conscientes

O comportamento de pesquisar antes de comprar impacta também os negócios físicos já que, segundo o professor Nusbaum, o consumidor está mais sensível ao preço. “O consumidor só estará disposto a pagar mais caro por um produto ou serviço se reconhecer diferencial competitivo que agregue valor para ele naquele momento. Note que é fundamental que esse diferencial seja reconhecido pelo consumidor”. 

Ele usa como exemplo uma ida à livraria. Com acesso à internet, é possível consultar e comparar o preço do livro da estante ao do e-commerce. Se ter o livro em mãos é um diferencial competitivo, o consumidor paga, ainda que mais caro, e compra na livraria física em vez de economizar e ter que esperar para receber o produto.

Entretanto, existe ainda forte fator financeiro nessa mudança de comportamento. A pandemia trouxe redução significativa do poder de consumo, levando o consumidor a focar também na sustentabilidade sobre quais produtos e serviços são, de fato, necessários.

Nusbaum também chama a atenção para o fator confiança. “Uma pessoa decide comprar um imóvel e financiá-lo em 30 anos baseada na confiança de que terá dinheiro para pagá-lo. Quando a confiança cai, a tendência é de retração das compras, sejam de itens baratos ou caros. Por falta de confiança, mesmo que tenha o dinheiro, tem quem prefira deixá-lo no banco porque não tem certeza de que amanhã continuará ganhando”.


Compras e lazer

A relação do brasileiro com o shopping migrou ao longo dos anos de destino de compras para opções de lazer. Cinema, restaurantes e serviços, somados ao mix de lojas à segurança e comodidade do ambiente, conquistaram o público, contribuindo para que o setor prosperasse mesmo em períodos de crise econômica.

Só que veio a pandemia e o setor não passou ileso. Pelo contrário, foi um dos mais impactados pelas medidas restritivas. Estima-se que mais de 11 mil lojas foram fechadas e R$ 90 bilhões de vendas foram perdidas durante os meses em que os shoppings permaneceram fechados. 

“No auge da pandemia, nossa preocupação girava em torno de levar os serviços e produtos dos lojistas aos consumidores, sem risco de contaminação, e garantir a sobrevivência financeira dos empreendimentos. A criatividade permitiu que os shoppings passassem pelo maior desafio econômico e sanitário de sua história”, conta o presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), Glauco Humai. 


Para Glauco Humai, da Abrasce, os serviços de drive-thru e delivery, incorporados nos últimos meses, vão continuar nos shoppings

E a mesma criatividade segue porque, além de buscar a recuperação das perdas com a pandemia, o setor precisa se transformar para continuar relevante frente aos novos tempos e ao perfil do consumidor pós-pandemia. Mais do que nunca, a experiência e as opções de consumo vão ditar o ritmo do retorno. 

Para o presidente da Abrasce, os lojistas continuarão transitando entre o físico e o virtual, mantendo ou mesmo aumentando a presença em marketplaces e plataformas de vendas virtuais, que durante a pandemia asseguraram a sobrevivência dos negócios. Em sua opinião, os serviços de drive-thru e delivery, incorporados nos últimos meses, também vieram para ficar. “Aliadas às vendas físicas, essas medidas vão contribuir para que o comércio do setor retorne ao patamar pré-pandemia e volte a crescer substancialmente”.

Mesmo com a concorrência acirrada com o virtual, Humai vê os shoppings retomando o status de ambiente para namorar vitrines, caminhar sob a temperatura ideal, encontrar com facilidade produtos e serviços, ter lugar seguro para estacionar o carro e, claro, desfrutar de momentos de lazer. 

A previsão dele encontra respaldo na pesquisa da Abrasce realizada no ano passado, que apontou que, para 88% dos brasileiros, os shoppings representam sentimentos positivos como alegria, segurança, felicidade e confiança. “A rotina de passeios e compras está voltando, graças à vacinação e à queda nos números da pandemia. Muitos lojistas começam a investir em promoções e estratégias de vendas para o final de ano”, comemora Humai.

Ele destaca que as ações levam em conta o perfil do público dos shoppings, formado por jovens e mulheres pertencentes às classes A, B e C. “São consumidores com maior escolaridade e preocupados com assuntos relacionados à economia, investimentos, bem-estar físico e mental, e com a formação da própria família”. Por isso, os preparativos e as promoções de final de ano incluem os protocolos sanitários, como a distribuição de álcool e a obrigatoriedade do uso de máscaras.


Lar doce lar

O isolamento social também transformou a relação dos brasileiros com o ambiente doméstico. O lar, antes essencialmente um local de descanso, virou ambiente de trabalho e estudo. E, claro, essa ‘redefinição’ da funcionalidade da casa impactou o mercado imobiliário. 

Enclausurados e sem espaço para crianças ou animais de estimação brincarem, muitos foram em busca de imóveis amplos e com áreas verdes. Mas as ‘exigências’ de quem procura alternativas adequadas às necessidades da rotina caseira não param por aí. 

“A casa voltou a se tornar o centro das famílias, onde elas estudam, trabalham, fazem atividades físicas e têm momentos de lazer. Todos passaram a buscar imóveis que ofereçam qualidade de vida, comodidade, segurança e boa localização”, diz o superintendente da construtora A.Yoshii em Maringá, Márcio Capristo. 


Lavanderias de uso comum, coworking, espaços de convivência e varanda estão entre os desejos dos compradores de apartamentos, aponta o superintendente da A.Yoshii, Márcio Capristo

Alinhada às tendências do mercado, a construtora tem incorporado aos empreendimentos soluções para as crescentes demandas por lazer e serviços, como lavanderia e espaços de conveniência. “Com as regras de distanciamento social, essa tendência consolidada em outros países começou a ganhar força no Brasil”, diz Capristo. 

Com a modalidade de home office, os coworkings assumem protagonismo nas preferências dos consumidores e, consequentemente, em projetos arquitetônicos como no recém-lançado Soul, empreendimento que começará a ser construído no ano que vem. “Entre as propostas que apresentamos nos decorados está a funcionalidade dos ambientes, pensando justamente no home office. Já nas áreas de convivência os coworkings não se traduzem apenas em um espaço delimitado por mesa e boa internet. Todo o ambiente é pensando para oferecer conforto, concentração, entre outras facilidades”.


Para o sócio da Brain Inteligência Estratégica, Guilherme Werner, embora os espaços comuns permaneçam protagonistas na escolha do imóvel, as áreas internas estão mais valorizadas

Mas o que não podem faltar nos lares brasileiros são as varandas e as áreas verdes. Um levantamento da Imovelweb, empresa com atuação nos 26 estados e no Distrito Federal, apontou que a procura por imóveis com varanda cresceu 128% em maio de 2020 no comparativo ao mesmo período de 2019. “A procura por imóveis com vista para áreas verdes aumentou durante a pandemia. Observamos que varanda e áreas amplas e abertas estão sendo decisivas para o fechamento de contratos”.

“Os brasileiros têm buscado imóveis personalizados, que promovam experiências sensoriais, e isso tem revolucionado o mercado imobiliário de luxo”, completa o superintendente.    

A A.Yoshii tem cinco empreendimentos em construção na cidade, sendo que dois serão entregues no ano que vem.


Pesquisa

O planejamento da A.Yoshii vai de encontro ao estudo recente realizado pela consultoria Brain, a pedido do Sinduscon/PR-Noroeste e Sebrae/PR. Os dados mostram que 60% dos lançamentos das construtoras em 2020 foram comercializados. O primeiro trimestre de 2021 fechou com quase 900 unidades vendidas em Maringá. 

O resultado acompanha o cenário nacional. Pesquisas da mesma consultoria indicam alta intenção de compra no país, em estabilidade de 35% a 40% ao longo dos últimos trimestres, sendo que 10% das famílias brasileiras já estão em busca de imóveis.  

Com base nos dados, o sócio-consultor da Brain Inteligência Estratégica, Guilherme Werner, prevê um 2021 de recordes - de lançamentos em algumas praças, vendas em outras e volume de financiamentos no país – e projeta um início de 2022 com estabilidade de vendas. “Tivemos um pico nos últimos trimestres que não deve se manter na mesma intensidade, ou seja, a aposta, sobretudo pelo novo desenho macroeconômico de aumento de juros e inflação acima da meta se dá para uma acomodação, não no sentido negativo da palavra, mas de platô superior ao que estávamos acostumados no período pré-pandemia”, avalia o consultor.

O nível de exigência do consumidor também aumentou. A boa notícia é que o mercado está atento às aspirações de quem está em busca de imóvel. De acordo com Werner, os empreendedores estão predispostos a ter um entendimento profundo das necessidades do comprador do que simplesmente “lançar por lançar”.

E aí, é preciso olhar as particularidades. Para alguns a qualidade de vida pode estar ligada à estabilidade da casa própria. Outra parcela busca contato com o verde e, por isso, compra uma casa em condomínio. Há aqueles que entendem que um imóvel perto da escola dos filhos, comércio, serviços e acesso intermodal é o ideal. “Em resumo, todos buscam qualidade de vida”.  

Outro detalhe que chama atenção é o ‘olhar’ para o interior do lar, em especial nas opções verticais. Embora os espaços comuns permaneçam protagonistas na escolha do imóvel, as áreas internas estão mais valorizadas. “Se preza tanto por uma varanda gourmet quanto por uma suíte – o que, no último boom, acabou sendo penalizada por projetos que privilegiavam apenas as áreas sociais. A dica é equilíbrio entre o íntimo e o social, de modo que uma planta não penalize nenhum desses ambientes de forma desproporcional”, conclui.