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A propaganda e suas regras

A propaganda e suas regras

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Alana Gazoli, jornalista e advogada: “utilizar fotos não autorizadas com o intuito de obter vantagem econômica gera o dever de indenizar. Invista em bancos de imagem, entre os quais há opções gratuitas”
O que pode e o que não pode na divulgação publicitária varia conforme os setores e as classes profissionais. Há regulamentações e autorregulamentações que precisam ser respeitadas para evitar penalidades. 
Para a jornalista, advogada especialista em Direito Digital e instrutora de Direito Digital na Escola de Negócios da ACIM, Alana Gazoli, apesar de a ‘liberdade econômica’ ser princípio da Constituição Federal, as empresas devem cumprir sua função social, respeitando o consumidor.  “Quem nunca passou estresse por causa de um produto divulgado sem preço na vitrine? No meio virtual, isso é ainda mais comum. O preço inbox ou direct é uma prática ilícita. O que foge da propaganda clara, direta e verdadeira pode ser considerado propaganda abusiva ou enganosa”, explica. 
De acordo com a especialista, a propaganda enganosa contém informação falsa ou omissão que leva o consumidor a acreditar em algo diferente da realidade. Exemplo disso é o anúncio de um produto com desconto na Black Friday, mas o preço praticado, na realidade, é o original. Já a propaganda abusiva é discriminatória, podendo incitar violência, abuso infantil, ataque ao meio ambiente, consumo sem consciência, entre outros conteúdos que possam provocar comportamentos reprováveis e prejudiciais.
“Na publicidade para o público infantil isso é corriqueiro. Mas pela função social das empresas, elas devem contribuir para o crescimento e a educação das crianças. Há empresas que apelam para o imaginário dos pequenos com a finalidade de vender, instigando, por exemplo, a compra de um alimento somente por causa dos brinquedos que acompanham um produto”, detalha. 
Fazer ou promover publicidade enganosa ou abusiva é crime. De acordo com Alana, há pena de detenção de três meses a um ano, mais multa. Órgãos fiscalizadores, como o Procon, também podem aplicar penalidades administrativas como multas, apreensão de produtos, cassação de licença e interdição de estabelecimentos. Além disso, o consumidor pode buscar reparação na justiça caso se sinta lesado.
Para os pequenos negócios, que têm nas redes sociais acesso facilitado para fazer propaganda, os efeitos de uma penalidade podem ser devastadores. “Uma multa para um pequeno empreendedor pode levar ao fechamento da operação. Sendo assim, nada de pegar fotos do ‘Google’ ou de clientes e terceiros sem autorização. Utilizar fotos não autorizadas com o intuito de obter vantagem econômica gera o dever de indenizar. Em vez disso, invista em bancos de imagem, entre os quais há opções gratuitas.” 

Setor publicitário 

No ramo publicitário, o diretor de criação na Sol Propaganda, Walter Thomé Junior, ressalta que há norteadores da atividade. Existe a Lei nº 4.680, de 1965, que dispõe sobre o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, além do Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP) e do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). 
“O Conar cuida mais do conteúdo das mensagens. Qualquer um que se sinta ultrajado, insultado tem o direito de fazer denúncia ao Conar, que pode abrir sindicância e levar isso para avaliação e possíveis penalidades”, diz Thomé. No caso do CENP, o órgão é acionado para garantir boas práticas comerciais entre anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação. 


“Em vez de usar uma música famosa que ficará genérica para o seu negócio e correr o risco de penalidade, invista em um jingle que terá a cara da sua marca”, recomenda o publicitário Walter Thomé Junior

Thomé observa que a propaganda brasileira tem como um dos principais aspectos a autorregulamentação, conforme diretrizes em áreas como a saúde, ideias que são mais ou menos aceitas para determinadas épocas e outros aspectos. Há algumas décadas, tomavam os comerciais as cigarreiras, enquanto hoje a divulgação de cigarros se limita ao ponto de vendas, com aviso de que o produto causa mal à saúde. É o mesmo caso das propagandas de bebida alcoólica, que devem carregar alertas como “beba com moderação” e “se for dirigir, não beba”. “Carros ou acessórios, agrotóxicos, remédios, sempre trazem junto uma mensagem de segurança”, diz Thomé.
No caso das propagandas de bebidas, era comum haver a associação da imagem hiperssexualizada da mulher. “Hoje prezamos pelo cuidado com a representação da mulher. O público alerta os anunciantes. Eles não querem ter suas marcas associadas a conteúdo não recomendável, não respeitoso com relação às mulheres”, pontua. 
Thomé lembra que numa ação para apoiar uma entidade sem fins lucrativos, há dez anos, a produção de um material de divulgação gerou sanções. Foram utilizadas fotos obtidas em bancos de imagem gratuitos para redução de custo – ou seja, com opções limitadas. O resultado: peças que traziam apenas pessoas de pele branca. “Veio o Ministério Público e tivemos que fazer alterações para que nossas peças mostrassem maior equilíbrio das pessoas. Além de refazer o trabalho, nos desculpamos pelo deslize involuntário”, conta. 
Para os empreendedores, Thomé recomenda estar sempre de olho no comportamento dos consumidores e se preocupar com direitos autorais. Não se pode utilizar qualquer imagem nem qualquer música. “Em vez de usar uma música famosa que ficará genérica para o seu negócio e correr o risco de penalidade, invista em um jingle que terá a cara da sua marca.”

Publicidade médica

Algumas profissões possuem conselhos que ditam sobre propagandas, caso de médicos, psicólogos, nutricionistas e advogados. As regras para a publicidade médica, por exemplo, estão estabelecidas na Resolução CFM 1974/11. O presidente da Sociedade Médica de Maringá (SMM), Lucas Savóia, destaca que é proibido ao médico fazer propaganda atribuindo a si capacidades especiais ou exclusivas, atrelar ao serviço empresas farmacêuticas ou de aparelhos específicos. Também é vedado aos médicos expor o paciente como forma de divulgar técnica ou resultado de tratamento, mesmo com autorização, oferecer serviços por meio de consórcios, permitir que o nome seja atrelado a propagandas enganosas, fazer propaganda de método e técnica não aceitos pela comunidade científica, entre outros.

É proibido ao médico fazer propaganda atribuindo a si capacidades especiais ou exclusivas, atrelar ao serviço empresas farmacêuticas ou de aparelhos específicos, alerta Lucas Savóia, da SMM

“A propaganda médica apresenta restrições devido ao cuidado com a população, no intuito de gerar segurança”, diz. Ele observa que com as mudanças no modo de se fazer marketing com as redes sociais, o Conselho Federal de Medicina (CFM) vem colocando em discussão novas possibilidades. 
Se há proibições, por outro lado os anúncios devem conter informações obrigatórias, como nome, especialidade ou área de atuação registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM), número do CRM e número de registro de qualificação de especialista (RQE). 
O não cumprimento das regras pode levar a processos ético-disciplinares. “As penalidades de um marketing inadequado podem ser advertência, suspensão temporária ou até suspensão definitiva. Depende da gravidade da falta e da reincidência”, explica. 

Advogados 

Conforme o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é vedada aos advogados a publicidade por meio de televisão, cinema e rádio. Também é proibido utilizar outdoors e semelhantes. Mesmo a divulgação de dados como endereço e telefone têm restrições: não pode ocorrer na imprensa ou estar vinculada a artigos acadêmicos, ficando permitida somente a referência ao e-mail. Ainda não se pode vincular a advocacia a outras atividades nem instigar a população ao litígio. E ao promover cartões de visitas, há alguns itens que precisam constar no material, como nome, número de inscrição na OAB e demais dados, sendo que fotos não são permitidas nem cargos ocupados, exceto o de professor universitário.


No cartão de visitas do advogado devem constar nome e número de inscrição na OAB, mas não pode haver foto nem cargo ocupado, exceto o de professor universitário, diz o conselheiro estadual da OAB, César Moreno


“O advogado pode eventualmente participar de programas de televisão e colunas, porém com o objetivo educacional e instrutivo para esclarecimentos de tema jurídicos. Isso sem comprometer a dignidade da profissão, da instituição ou debater sobre causas de outro colega de profissão”, explica o conselheiro estadual da OAB, César Moreno, que acompanhou discussões sobre o tema junto a um grupo nacional.
Com o avanço dos canais digitais, o segmento viu novas diretrizes neste ano. O provimento nº 205/2021 ordena e sistematiza as tendências, reiterando as proibições previstas no Código de Ética e Estatuto da Advocacia Lei nº 8.906 de 1994. “Fica estabelecido o termo como o marketing jurídico, que é a utilização de estratégias planejadas para alcançar objetivos do exercício da advocacia e também marketing de conteúdos jurídicos, que se utiliza da criação e da divulgação de conteúdos jurídicos, disponibilizados por meio de ferramentas de comunicação, para informar o público.”
O provimento ainda estabelece parâmetros para vedar a utilização do emprego excessivo de recursos financeiros, bem como em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão e conteúdos que possam atingir a reputação da classe. O conselheiro ressalta ainda o estabelecimento do Comitê Regulador do Marketing Jurídico, de caráter consultivo, vinculado à diretoria do Conselho Federal, a fim de pacificar e unificar a interpretação de temas pertinentes e diz que as seccionais podem conceder poderes coercitivos à Comissão de Fiscalização para dar efetividade ao provimento. 
“O advogado está obrigado a cumprir o Código de Ética e Disciplina, obrigação vinculada no artigo 33 do Estatuto da Advocacia, que ainda no artigo 36, II, estabelece ser aplicável a sanção disciplinar de censura do advogado que violar as regras”, frisa.