Quando o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou, em setembro, a taxa básica de juros da economia, a Selic, de 5,25% para 6,25% ao ano, no quinto reajuste consecutivo, a estratégia do Banco Central (BC) é controlar a inflação, medida pelo índice geral de preços, o IPCA.
A inflação oficial subiu 0,87% em agosto, o maior aumento para o mês em 21 anos. Segundo o Relatório de Mercado Focus, neste ano a previsão para o IPCA é 8%. Com isso, a Selic deve sofrer novos reajustes – a estimativa para a taxa sobe de 7,63% para 8% no fim de 2021, e para 9,5% em 2022.
O economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos (Acrefi), Nicola Tingas, acredita que na tentativa de conter a inflação, a Selic possa chegar a 8,5%. A seca e geadas nas safras agrícolas, demanda por commodities, ajustes de preço conforme o mercado internacional, além de crise energética e tensão política são fatores que têm ajudado a empurrar a inflação para cima.
Economista Nicola Tingas: “é uma dicotomia: não se quer subir muito a Selic, mas precisa subir, senão perde o controle da inflação. Momento difícil para o Banco Central e para a sociedade”
“A não ser que houvesse estoques reguladores de grãos estratégicos e de petróleo, estaríamos menos vulneráveis às flutuações internacionais. E por conta da pandemia, temos também problemas de componentes. O consumo começou a andar de novo e não tinha produto suficiente para suprir a demanda”, diz o economista.
Para Tingas, é baixa a capacidade de lidar com a inflação quando existe choque de oferta. “O Banco Central tentou dar tempo para ver até onde a economia assimilaria os choques de oferta. Mas os choques foram sucedidos por novos o tempo todo, prolongando a curva de inflação. Estamos ainda vivenciando uma aceleração da inflação, por isso, o Banco Central tenta não deixar o índice ir muito longe, ao aumentar os juros dentro de uma sistemática de estabilização da moeda”, explica.
O objetivo é estabilizar o real ao desaquecer a economia e evitar que o mercado se baseie em expectativas de novos aumentos. Isso porque existe incerteza de até onde vai a inflação e, por essa razão, os preços são remarcados para cima. “Neste momento o Banco Central visa a estabilizar as expectativas, levando o mercado a acreditar que a inflação não vai passar de 8%”, analisa. “É uma dicotomia: não se quer subir muito a Selic, mas precisa subir, senão perde o controle da inflação. É um momento difícil para o Banco Central e para a sociedade”, observa.
Sobre crédito, o economista diz que as empresas grandes e capitalizadas tomaram empréstimos em abril do ano passado para fazer colchão de liquidez, diante das incertezas geradas com a pandemia. Já as micro e pequenas empresas ficaram dependendo do crédito público, o que na opinião do economista demorou a ser liberado.
O conselho de Tingas é aprimorar a administração do fluxo de caixa, renegociar pagamentos com fornecedores e realizar promoções para ampliar receitas. “A gestão do fluxo de caixa pormenorizada continua sendo a grande tarefa. Se puder, o empresário deve tomar linha subsidiada do governo a longo prazo, mas em primeiro lugar está a gestão minuciosa do fluxo de caixa”.
Crédito mais caro
A Selic impacta nas taxas de crédito, que acompanham as variações do indicador. “Praticamente todas as linhas são afetadas. Mas é possível encontrar bancos e cooperativas com opções de prazo maior para pagamento, carência e outras facilidades. Bancos estão trabalhando com prazo de 24 meses, no máximo 36. As cooperativas conseguem ir um pouco além”, diz o gerente da Unicred, Rafael Peters Pereira.
“Uma opção é, prevendo mais altas na Selic, buscar crédito neste momento e evitar parcelamentos muito longos”, recomenda Rafael Pereira, da Unicred
Pereira explica que nas taxas pré-fixadas é mais difícil conseguir prazo longo. Contratos baseadas no CDI, por exemplo, vão aumentar. Isso é bom para quem tem dinheiro para investir e ruim para quem precisa emprestar. “Uma opção é, prevendo mais altas na Selic, buscar crédito neste momento e evitar parcelamentos muito longos. E, claro, se for possível vender recursos, amortizar.”
Para Vanderlan Pedro da Silva, do Sicoob Metropolitano, o crédito para capital de giro deve ser utilizado para aproveitar oportunidades, como descontos na compra de matéria-prima
No Sicoob Metropolitano, o ‘funding’ é formado por recursos investidos pelos cooperados, que são remunerados com base no CDI/Selic. Logo, explica o diretor de Mercado, Vanderlan Pedro da Silva, as taxas de crédito são afetadas pela variação da Selic.
“Durante a pandemia, estivemos ao lado dos cooperados buscando minimizar os impactos da crise com linhas de crédito com taxas diferenciadas. Orientamos sempre que os cooperados procurem as suas agências de relacionamento”, aconselha Silva. Além disso, é preciso ter cautela na administração do recurso. “O crédito para capital de giro deve ser utilizado para aproveitar oportunidades, como descontos na compra de matéria-prima ou produtos, como estratégia para alavancar o faturamento e, como consequência, as margens de lucro”, diz. Já no caso de investimentos, ele orienta procurar linhas adequadas para isso, que possuem maior prazo e melhor taxa.
Investimentos
Se para quem precisa de crédito a situação está desfavorável, para quem tem recursos para investir é justamente o contrário, dependendo do tipo de investimento. O head da mesa de renda variável da SVN Investimentos, Angelo Amaral, explica que no caso da renda variável, apesar da projeção de aumento da Selic, uma taxa de até 7% ainda não é suficientemente atrativa para que o mercado migre totalmente para a renda fixa. Um dos pontos é que a taxa de juros elevada beneficia o fluxo de caixa das empresas, reduzindo os riscos no curto prazo. “Além disso, o câmbio depreciado facilita alguns tipos de vendas. Em exportadoras, por exemplo, o faturamento tende a aumentar nesse cenário. Nota-se isso com mais intensidade nas commodities, algo que é especialidade do Brasil”, comenta.
“Para a proteção contra a inflação, os ativos em IPCA+ costumam ser mais recomendados do que, por exemplo, os pós-fixados ou prefixados”, aconselha Angelo Amaral, da SVN Investimentos
Enquanto os riscos macro aumentaram, Amaral avalia que o cenário para as empresas brasileiras continua positivo com a bolsa. Ele conta que a temporada de resultados do segundo trimestre surpreendeu as expectativas. Durante o período, o LPA (lucro por ação) das empresas do Ibovespa mais que dobrou em relação ao primeiro trimestre e cresceu mais de nove vezes em relação ao mesmo período no ano passado. Embora isso seja explicado pela base de comparação fraca devido à pandemia no ano passado, os analistas continuaram a revisar os ganhos para cima – desde o início 2021 os lucros do LPA foram revisados em mais de 50% e espera-se que os lucros de 2021 cresçam mais de três vezes anualmente.
As ações brasileiras, segundo Amaral, continuam atrativas. O prêmio de risco das ações do Ibovespa, que mede a diferença entre o rendimento de renda variável e a taxa de juros real, atualmente está em 6,8%, acima da média histórica.
Segundo dados da XP, que tem como um dos escritórios credenciados em Maringá a SVN Investimentos, o LPA das empresas do Ibovespa mais que dobrou em relação ao primeiro trimestre de 2021, refletindo um cenário de ‘stock picking’ (seleção de ações promissoras) clássico. No relatório da XP para setembro acredita-se que o mercado levará mais tempo para “voltar às médias históricas”, dados os riscos, além de uma discussão sobre a sustentabilidade dos altos preços das commodities.
A respeito dos fundos imobiliários, Amaral explica que a alta da taxa de juros faz com que o rendimento dos investimentos CRI e LCI cresça, impulsionando os retornos de fundos de papel (títulos e papéis do mercado imobiliário). No caso dos fundos de tijolos (imóveis construídos e funcionais) o efeito é o oposto. “Isso ocorre porque uma vez que se aumentam os juros, os empréstimos e financiamentos encarecem, levando empresas a fechar, interromper construção de novos escritórios e/ou diminuir a venda de imóveis”, analisa. O especialista acrescenta que com menos empreendimentos imobiliários em atividade, gera-se uma pressão na procura por CRI e LCI. “As taxas de juros e os rendimentos dos fundos imobiliários são inversamente proporcionais”.
Sobre a renda fixa, após meses de IPCA surpreendendo para cima, economistas da XP apontam para a inflação corrente seguindo pressionada por aumento de custos e pela reabertura da economia. Com isso, a projeção de IPCA é de 7,7% este ano e, em 2022, de 3,7%. “Para a proteção contra a inflação, os ativos em IPCA+ costumam ser mais recomendados do que, por exemplo, os pós-fixados (%CDI) ou prefixados”, diz.